Educadores

Comunidade Quilombola no Paraná

Até o início do século XXI pouco se sabia sobre a existência e as condições de vida das Comunidades remanescentes de Quilombo do Paraná. Nesse estado do sul do país, onde predomina um discurso que a imigração europeia é o principal elemento constituinte de sua identidade e de sua trajetória de desenvolvimento, os poucos indícios que eram apontados advinham ou de denúncias e campanhas feitas por pastorais, sindicatos e pelos movimentos sociais negros, ou por alguns pesquisadores que destoavam do discurso hegemônico.

Foi, sobretudo, a partir do I Encontro de Educadores/as Negros/as do Paraná, chamado pelo Movimento Negro e realizado em Novembro de 2004 com apoio do Governo do Estado, através das Secretarias de Estado de Educação, Cultura e Assuntos Estratégicos que esse quadro começou a modificar-se. Os participantes do referido evento trouxeram informações que indicavam a existência de no mínimo 08 (oito) comunidades, gerando expectativa em conhecer melhor essas realidades. É necessário destacar a sanção da Lei 10639 de 09/01/03 que instituiu a obrigatoriedade do ensino da História e da Cultura Afro-Brasileira no currículo da educação básica, como um dos motivadores do interesse da Secretaria de Estado da Educação.

Com a criação do Grupo de Trabalho Clóvis Moura em 2005, foi a primeira vez que um Governo deste estado empreendeu a corajosa iniciativa de realizar um levantamento sócio-econômico e cultural com vistas à garantia de direitos a essas comunidades. O GT Clóvis Moura é um grupo intersecretarial, cujo objetivo é investigar a existência de Remanescentes de Quilombos, Comunidades Negras Tradicionais, Rurais e Urbanas, e/ou “Terras de Preto” do Paraná, bem como, diagnosticar a situação dessas comunidades em seus aspectos sociais, econômicos, culturais, visando contribuir para seu desenvolvimento comunitário e manutenção de seu modo de vida.

A criação do GTCM no Governo do Estado, instituído pela Resolução Conjunta 01/2005- SEED–SEEC–SEAE–SEMA-SECS e posteriormente ampliado com a participação de outras Secretarias e com prazos prorrogados pelas Resoluções Conjuntas 01/2006 e 01/2007-SEED–SEEC–SEAE–SEMA-SECS-SESU-SEAB-SEJU-SETI-SETP-PMPR, rompe com o pacto do silêncio das elites, e em especial com o viés latifundiário, como mecanismo de invisibilização das questões etnicorraciais do Paraná.

A partir do levantamento realizado pelo GT Clóvis Moura um outro Paraná tem se descortinado, um Paraná onde matizes étnicas diferentes daquelas predominantemente veiculadas por órgãos oficiais e pelos meios de comunicação, como as principais definidoras da identidade paranaense, passaram a ser contempladas. Entretanto, paralelo a visibilidade que tem sido dada à cultura negra e a sua contribuição na construção do estado, inúmeras demandas tem sido apresentadas pelos quilombolas. Tais demandas são alusivas a elaboração de diversas políticas públicas, dados os anos de invisibilidade.

A construção da Proposta Pedagógica Quilombola e o Colégio Estadual Diogo Ramos criado na Comunidade Remanescente de Quilombo João Surá e que funciona com estrutura provisória, no município de Adrianópolis, são partes desse processo.

No dia 12 de maio de 2006, através de uma iniciativa do Grupo de Trabalho Clóvis Moura, foi realizada na referida comunidade, uma Ação Publica Articulada para as Comunidades Remanescentes de Quilombo do Paraná, onde estiveram presentes, além de cerca de 1000 quilombolas, autoridades municipais, estaduais e federais, que apresentavam os programas e as políticas de suas instituições com vistas a atender aos quilombolas.

Nessa ocasião uma mãe se aproximou do, então, Secretário de Estado da Educação, excelentíssimo Sr. Maurício Requião, e expôs-lhe o caso de seus filhos, de 11e 13 anos de idade, que percorrem de transporte escolar cerca de 30 km da estrada, em péssimas condições, para estudar, e que os mesmos retornavam ao final da noite e ainda tinham que caminhar alguns quilômetros para chegar em casa próximo das 01h30 da madrugada. Sendo frequentes os casos que, em virtude de chuvas, chegavam às 04h00 em suas residências. Rotina essa partilhada com outros estudantes – crianças, jovens e adultos – que enfrentam, em pleno século XXI, uma longa e perigosa jornada pelas “serras e vales encaixados e entrecortados por rios sinuosos” (FERNANDES, 2007, p.15) que compõem a paisagem do vale do Ribeira. Jornada que é recorrente na maioria das comunidades quilombolas paranaenses, que insistem, a despeito de todas as barreiras que se apresentam, em ter acesso a um direito comum a todos os cidadãos brasileiros: o direito à educação.

A partir desse caso e de outras demandas de escolarização apresentadas na ocasião, a Secretaria de Estado da Educação criou uma comissão (formada por representantes do Departamento do Ensino Fundamental, do Departamento de Educação de Jovens e Adultos, e da Assessoria de Relações Externas e Interinstitucionais) com a finalidade de estudar a oferta de uma escola para a Comunidade Remanescente de Quilombo João Surá e construir uma proposta pedagógica para essa e outras escolas em áreas quilombolas.

Já nas primeiras reuniões definiu-se a necessidade de conhecer e escutar a comunidade como um princípio para construir uma proposta que estivesse de acordo com suas especificidades.

Foi assim que, nos dias 15 e 16 de agosto de 2006, a comissão – acompanhada da assessora Maria Clareth Gonçalves dos Reis e de representantes do Departamento de Ensino Médio, da Superintendência de Educação e Desenvolvimento (SUDE) e do Núcleo Regional de Educação Metropolitano Norte – realizou uma visita técnica objetivando aproximar-se da realidade daquele quilombo.

Na ocasião foram captados dados sobre a situação educacional, a cultura, a economia, o trabalho, a religiosidade, bem como sobre a experiência de escolarização de crianças, jovens e adultos do local. A visita foi sucedida de reuniões técnicas, coordenadas pela assessora acima citada, onde foi produzida uma versão preliminar da proposta pedagógica para a escola quilombola. Com a transição do governo e re-organização dos departamentos da Secretaria de Estado da Educação no início de 2007, a finalização do documento ficou sob responsabilidade do Departamento da Diversidade (inicialmente através da Coordenação da Educação do Campo).

A nova conjuntura apresentou demandas que ainda não estavam contempladas no primeiro momento. No início de fevereiro a publicação do Decreto no 6040/07 instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Comunidades e Povos Tradicionais do Brasil – PNPCT. Tal decreto foi o resultado da mobilização de diversos representantes desse segmento social – indígenas, quilombolas, faxinalenses, ilhéus e ribeirinho, entre outros – que participaram efetivamente, em oficinas regionais, da elaboração da PNPCT. Esse documento indica novos elementos para a oferta de escolarização em territórios de Comunidades e Povos Tradicionais, nas quais se inclui as comunidades quilombolas.
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