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Produção de biocombustível alternativo ao óleo diesel através da transesterificação de óleo de soja usado em frituras

The utilization of used frying oil for the production of biodiesel

Resumo

In this work, the utilization of used frying oil for the production of biodiesel is presented. The performance of biodiesel in diesel engines, as well as the characterization of the emissions derived from this process, are also discussed and compared to the emissions derived from engines running on unused vegetable oils and conventional diesel.

biodiesel; used frying oil; transesterification


biodiesel; used frying oil; transesterification

DIVULGAÇÃO

Produção de biocombustível alternativo ao óleo diesel através da transesterificação de óleo de soja usado em frituras

Pedro R. Costa Neto e Luciano F. S. Rossi

Departamentos de Química e de Mecânica do Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná (CEFET-PR) - Curitiba - PR

Giuliano F. Zagonel e Luiz P. Ramos*

Centro de Pesquisa em Química Aplicada - Departamento de Química - Universidade Federal do Paraná - CP 19081 - 81531-970 Curitiba - PR

Recebido em 12/2/99; aceito em 15/9/99

lramos@quimica.ufpr.br

The utilization of used frying oil for the production of biodiesel. In this work, the utilization of used frying oil for the production of biodiesel is presented. The performance of biodiesel in diesel engines, as well as the characterization of the emissions derived from this process, are also discussed and compared to the emissions derived from engines running on unused vegetable oils and conventional diesel.

Keywords: biodiesel; used frying oil; transesterification.

INTRODUÇÃO

Atualmente, a reciclagem de resíduos agrícolas e agro-industriais vem ganhando espaço cada vez maior, não simplesmente porque os resíduos representam "matérias primas" de baixo custo, mas, principalmente, porque os efeitos da degradação ambiental decorrente de atividades industriais e urbanas estão atingindo níveis cada vez mais alarmantes. Vários projetos de reciclagem têm sido bem sucedidos no Brasil e dentre eles destacam-se o aproveitamento de papel, plásticos, metais, óleos lubrificantes automotivos e industriais, soro de leite e bagaço de cana.

Mais recentemente, a implantação de Programas de Qualidade Total tem reduzido o impacto poluidor de várias atividades de natureza agroindustrial. No entanto, muitos casos ainda prevalecem sem qualquer proposta de solução definitiva. Por exemplo, em abatedouros de frangos, os animais que chegam mortos e/ou são condenados pela Inspeção Federal representam em média 4-5%1. Estes animais são normalmente incinerados ou mesmo enterrados, um destino inconveniente devido a possibilidade de contaminação de lençóis freáticos com resíduos indesejáveis e/ou microorganismos patogênicos. Por outro lado, a incineração é também um processo poluente e de alto custo que vem, gradativamente, entrando em desuso. Assim, de um modo geral, o aproveitamento integrado de resíduos gerados na indústria alimentícia pode evitar o encaminhamento destes a aterros sanitários, permitindo o estabelecimento de novas alternativas empresariais e minimizando o impacto ambiental do acúmulo destes resíduos. Dentre os materiais que representam riscos de poluição ambiental e, por isso, merecem atenção especial, figuram os óleos vegetais usados em processos de fritura por imersão.

O presente artigo discute a utilização de óleos vegetais transesterificados como combustível alternativo ao diesel convencional. Suas características encontram-se extensivamente discutidas, assim como a destinação, para o mesmo fim, de óleos vegetais usados em frituras.

DEGRADAÇÃO TÉRMICA DE ÓLEOS COMESTÍVEIS

A fritura por imersão é um processo que utiliza óleos ou gorduras vegetais como meio de transferência de calor, cuja importância é indiscutível para a produção de alimentos em lanchonetes e restaurantes comerciais ou industriais a nível mundial. Em estabelecimentos comerciais, utilizam-se fritadeiras elétricas descontínuas com capacidades que variam de 15 a 350 litros, cuja operação normalmente atinge temperaturas entre 180-200oC. Já em indústrias de produção de empanados, salgadinhos e congêneres, o processo de fritura é normalmente contínuo e a capacidade das fritadeiras pode ultrapassar 1000 litros. O tempo de utilização do óleo varia de um estabelecimento para outro, principalmente pela falta de legislação que determine a troca do óleo usado2. Por essa razão, considerando a grande diversidade de estabelecimentos que utilizam esses óleos, é difícil fazer um levantamento preciso da disponibilidade desse resíduo em grandes centros urbanos. Por exemplo, segundo o Centro de Saúde Ambiental da Prefeitura Municipal de Curitiba, estima-se que somente nos restaurantes industriais da cidade e região metropolitana, são mensalmente geradas cerca de 100 toneladas de óleos de fritura, cujos destinos incluem a produção de sabão, de massa de vidraceiro e de ração animal, mas que também têm parte de seu volume descartado diretamente no esgoto doméstico. Ressalta-se, no entanto, que animais que se alimentam dessas rações são impróprios para o consumo humano, pois estudos anteriores demonstraram que a ingestão de gorduras oxidadas por cobaias, dentre outras consequências, aumenta a peroxidação dos cromossomos3. Além do mais, o efeito cumulativo da ingestão contínua e prolongada de compostos de maior toxicidade, como monômeros cíclicos e hidrocarbonetos poliaromáticos formados durante a fritura por imersão, deveria ser melhor investigado em razão de suas reconhecidas propriedades carcinogênicas.

Os óleos vegetais são produtos naturais constituídos por uma mistura de ésteres derivados do glicerol (triacilgliceróis ou triglicerídios), cujos ácidos graxos contêm cadeias de 8 a 24 átomos de carbono com diferentes graus de insaturação. Conforme a espécie de oleaginosa, variações na composição química do óleo vegetal são expressas por variações na relação molar entre os diferentes ácidos graxos presentes na estrutura. Portanto, a análise da composição de ácidos graxos constitui o primeiro procedimento para a avaliação preliminar da qualidade do óleo bruto e/ou de seus produtos de transformação e isto pode ser obtido através de vários métodos analíticos tais como a cromatografia líquida de alta eficiência4, a cromatografia em fase gasosa5 e a espectroscopia de ressonância magnética nuclear de hidrogênio6.

O Estado do Paraná é o maior produtor de soja do Brasil, sendo responsável por 23% da produção nacional de acordo com a projeção de 7,14 mil toneladas para a safra 98/99. Dada esta disponibilidade, o processamento de alimentos a nível industrial é geralmente realizado com óleo de soja e, em menor extensão, com gordura vegetal hidrogenada e outros tipos de óleos vegetais. Como o presente trabalho trata da utilização de óleos vegetais para a produção local de biocombustíveis alternativos, é importante caracterizar que o óleo de soja comercial tem uma composição média centrada em cinco ácidos graxos principais: palmítico (15:0), esteárico (18:0), oléico (18:1), linoléico (18:2) e linolênico (18:3) (Tabela 1). Estes ácidos graxos, cuja proporção relativa é mantida constante após a reação de transesterificação, compõem mais de 95% do teor de ácidos graxos do óleo e tal característica é relativamente constante para a grande maioria dos óleos comerciais disponíveis no mercado.

Os óleos e gorduras utilizados repetidamente em fritura por imersão sofrem degradação por reações tanto hidrolíticas quanto oxidativas7 (Esquema 1). Neste caso, a oxidação, que é acelerada pela alta temperatura do processo, é a principal responsável pela modificação das características físico-químicas e organolépticas do óleo. O óleo torna-se escuro, viscoso, tem sua acidez aumentada e desenvolve odor desagradável, comumente chamado de ranço. Embora possível, a purificação destes óleos com materiais adsorventes não é considerada viável sob o ponto de vista econômico8.

A literatura científica está repleta de estudos que defendem a impropriedade do processamento de alimentos em óleos e gorduras aquecidas. Já está bem estabelecido que o aquecimento descontrolado de gorduras pode acarretar a formação de compostos com propriedades antinutricionais, entre eles, inibidores enzimáticos, destruidores de vitaminas, produtos de oxidação de lipídios, irritantes gastrointestinais e agentes mutagênicos ou carcinogênicos3. O óleo, depois de usado, torna-se um resíduo indesejado e sua reciclagern como biocombustível alternativo não só retiraria do meio ambiente um poluente, mas também permitiria a geração de uma fonte alternativa de energia. Assim, duas necessidades básicas seriam atendidas de uma só vez.

PODER CARBURANTE DE ÓLEOS VEGETAIS

A produção de biocombustível alternativo ao óleo diesel, a partir de óleos vegetais brutos, tem sido alvo de diversos estudos nas últimas décadas9-14. No Brasil, a instituição do Programa Nacional de Óleos Vegetais (OVEG I) permitiu a realização de testes com óleos vegetais de composição química e grau de insaturação variados, cujas características físico-químicas encontram-se parcialmente apresentadas na Tabela 2. Os principais óleos testados nesta investigação foram os derivados de macaúba, pinhão-manso, indaiá, buriti, piqui, mamona, soja, babaçu, cotieira, tinguí e pupunha15-17.

A avaliação da qualidade carburante de óleos vegetais requer a determinação analítica de, principalmente, seu poder calorífico, índice de cetano, curva de destilação, viscosidade e ponto de névoa. Do poder calorífico do (bio)combustível depende a potência máxima a ser atingida pelo motor em operação, enquanto o índice de cetano define o poder de autoinflamação e combustão do óleo. Seu valor condiciona o desempenho global do motor, refletindo na partida à frio, ruído e gradiente de pressão. Comparados ao óleo diesel, os óleos vegetais apresentam menor calor de combustão e índice de cetano similar, ao redor de 40 (Tabela 2)16,17.

A viscosidade, que é a medida da resistência interna ao escoamento de um líquido, constitui outra propriedade intrínseca dos óleos vegetais. É de considerável influência no mecanismo de atomização do jato de combustível, ou seja, no funcionamento do sistema de injeção. Esta propriedade também se reflete no processo de combustão, de cuja eficiência dependerá a potência máxima desenvolvida pelo motor. Em relação ao diesel convencional, os óleos vegetais apresentam valores de viscosidade bastante elevados, podendo excedê-lo em até 100 vezes, como no caso do óleo de mamona17.

O ponto de névoa, que corresponde à temperatura inicial de cristalização do óleo, influencia negativamente o sistema de alimentação do motor, bem como o filtro de combustível, sobretudo quando o motor é acionado sob condições de baixas temperaturas. Esta é, portanto, uma propriedade que desfavorece o uso de óleos vegetais in natura em motores do ciclo diesel, particularmente em regiões de clima temperado, pois todos os óleos vegetais até hoje investigados apresentam ponto de névoa superior ao do óleo diesel convencional17 (Tabela 2). Para evitar os efeitos da solidificação parcial de óleos brutos, deve-se proceder ao seu pré-aquecimento, que pode ser efetuado com a própria água de arrefecimento do motor. Alternativamente, a utilização de aditivos apropriados no óleo vegetal pode conferir-lhe maior fluidez, diminuindo o ponto de névoa e favorecendo o comportamento fisico-químico do biocombustível resultante.

Os óleos combustíveis derivados do petróleo são estáveis à temperatura de destilação, mesmo na presença de excesso de oxigênio. Ao contrário, nos óleos vegetais que contêm triacilgliceróis de estrutura predominantemente insaturada, reações de oxidação podem ser observadas até à temperatura ambiente e o aquecimento a temperaturas próximas a 250oC ocasiona reações complementares de decomposição térmica, cujos resultados podem inclusive levar à formação de compostos poliméricos mediante reações de condensação. A presença de compostos poliméricos aumenta a temperatura de destilação e o nível de fumaça do motor, diminui a viscosidade do óleo lubrificante e acarreta diminuição da potência pela queima incompleta de produtos secundários. Tal comportamento não é observado com derivados metanolisados ou etanolisados (biodiesel), cuja mistura é destilada integralmente a temperaturas inferiores a 350oC16,17 (Tabela 3).

BIODIESEL

De um modo geral, biodiesel foi definido pela "National Biodiesel Board" dos Estados Unidos como o derivado mono-alquil éster de ácidos graxos de cadeia longa, proveniente de fontes renováveis como óleos vegetais ou gordura animal, cuja utilização está associada à substituição de combustíveis fósseis em motores de ignição por compressão (motores do ciclo Diesel)18. Enquanto produto, pode-se dizer que o biodiesel tem as seguintes características: (a) é virtualmente livre de enxôfre e aromáticos; (b) tem alto número de cetano, (c) possui teor médio de oxigênio em torno de 11%; (d) possui maior viscosidade e maior ponto de fulgor que o diesel convencional; (e) possui nicho de mercado específico, diretamente associado a atividades agrícolas; (f) no caso do biodiesel de óleo de fritura, se caracteriza por um grande apelo ambiental; e, finalmente, (g) tem preço de mercado relativamente superior ao diesel comercial19. Entretanto, se o processo de recuperação e aproveitamento dos subprodutos (glicerina e catalisador) for otimizado, a produção de biodiesel pode ser obtida a um custo competitivo com o preço comercial do óleo diesel, ou seja, aquele verificado nas bombas dos postos de abastecimento. Por outro lado, enquanto combustível, o biodiesel necessita de algumas características técnicas que podem ser consideradas imprescindíveis: a reação de transesterificação deve ser completa, acarretando ausência total de ácidos graxos remanescentes e o biocombustível deve ser de alta pureza, não contendo senão traços de glicerina, de catalisador residual ou de álcool excedente da reação. A Tabela 4 apresenta algumas características complementares usualmente atribuídas ao biodiesel, em comparação com o diesel convencional.

Para a obtenção de biodiesel, a reação de transesterificação de óleos vegetais com álcoois primários pode ser realizada tanto em meio ácido quanto em meio básico, conforme demonstrado no Esquema 219. A reação de síntese, geralmente empregada a nível industrial, utiliza uma razão molar óleo:álcool de 1:6 na presença de 0,4% de hidróxido de sódio ou de potássio, porque o meio básico apresenta melhor rendimento e menor tempo de reação do que o meio ácido20. Por outro lado, o excesso de agente transesterificante (álcool primário) faz-se necessário devido ao caráter reversível da reação.

Freedman e colaboradores20 demonstraram que a alcoólise com metanol é tecnicamente mais viável do que a alcoólise com etanol, particularmente se esse corresponde ao etanol hidratado, cujo teor em água (4-6%) retarda a reação. O uso de etanol anidro na reação efetivamente minimiza este inconveniente, embora não implique em solução para o problema inerente à separação da glicerina do meio de reação que, no caso da síntese do éster metílico, pode ser facilmente obtida por simples decantação.

Embora os primeiros testes da utilização de biodiesel como combustível alternativo datem do início deste século, sua comercialização ainda apresenta alguns gargalos tecnológicos. Por exemplo, um dos principais problemas técnicos está relacionado com a qualidade de ignição em relação ao diesel convencional. Entretanto, aminas e amidas terciárias de ácidos graxos são mais eficientes que os ésteres e podem corrigir essa deficiência, quando utilizados como aditivos11.

Segundo os relatórios do Programa Nacional de Óleos Vegetais16,17, testes desenvolvidos em território nacional com vários tipos de óleos vegetais transesterificados, puros ou misturados ao diesel convencional na proporção de 30%, demonstraram bons resultados quando utilizados por caminhões, ônibus e tratores. Nesses testes, foram percorridos mais de um milhão de quilômetros e os principais problemas apresentados foram associados a um pequeno acúmulo de material nos bicos injetores e um leve decréscimo da viscosidade do óleo lubrificante16. Testes de desempenho de curta duração foram também realizados em bancada dinamométrica em plena carga, com motores de injeção indireta do tipo x8/29 previamente otimizados para a queima de óleo diesel puro.

Uma série de óleos etanolisados de composição química variada, cujas características físico-químicas encontram-se na Tabela 3, foram testados nesta etapa do Programa Nacional de Óleos Vegetais17. Os resultados indicaram que as propriedades dos ésteres foram semelhantes às do óleo diesel, exceto pelo ponto de inflamabilidade. Enquanto o ponto de fulgor indica a temperatura mínima na qual o óleo forma com o ar uma mistura inflamável, o ponto de inflamação representa a temperatura na qual o óleo queima durante um tempo mínimo de cinco segundos. Sendo assim, esta propriedade também se reflete no mecanismo de atomização do jato de combustível, ou seja, no funcionamento do sistema de injeção, de cuja eficiência dependerá o processo de combustão.

Verificou-se também que algumas características do biodiesel de óleo de mamona foram totalmente diferentes daquelas das demais, particularmente em relação à viscosidade (Tabela 3)17. Tal característica foi atribuída à presença de um maior teor de hidroxi-ácidos no óleo de mamona, cuja ocorrência se reflete em outras propriedades coligativas como a densidade e a viscosidade do óleo vegetal (Tabela 2).

Quanto às propriedades físico-químicas de ésteres etílicos, em comparação com aquelas dos respectivos óleos vegetais de origem, a reação de transesterificação diminuiu o ponto de névoa do biocombustível, assim como sua densidade, cor, viscosidade e índice de cetano17. O poder calorífico permaneceu relativamente constante, indicando pouca ou nenhuma influência da reação sobre esta propriedade, enquanto que a volatilidade aumentou conforme os dados extraídos das respectivas curvas de destilação (Tabela 3). À exceção do índice de cetano, a reação de transesterificação produziu um efeito favorável sobre todas as propriedades fisico-químicas do óleo, reduzindo inclusive o seu impacto ambiental conforme demonstrado pelos valores assumidos pelo resíduo de carbono Conradson. Porém, o índice de cetano dos diferentes tipos de ésteres produzidos foi maior do que aquele derivado do óleo diesel, reiterando a adequação de suas características como combustível automotivo alternativo.

No caso específico da utilização do óleo de piqui etanolisado, foi verificado que, entre 3000 e 5000 rpm, a potência efetiva e o torque do motor foram pouco inferiores aos observados com óleo diesel. Não obstante, entre 1500 e 3000 rpm, os índices obtidos para ambos foram praticamente idênticos, o mesmo ocorrendo com outros ésteres de óleos vegetais. Tendo em vista que o motor utilizado nos testes não foi previamente modificado para o uso de biodiesel, a pequena diferença observada no desempenho, a partir de 3000 rpm, não foi considerada tecnicamente significativa17.

BIODIESEL DE ÓLEO USADO EM FRITURAS

Nye et al.21, investigaram a reação de transesterificação de óleos de fritura com metanol, etanol, n-propanol, iso-propanol, n-butanol e 2-etoxietanol em meios ácido e básico. O maior rendimento foi obtido com o metanol em meio alcalino, utilizando hidróxido de potássio como catalisador. Nesse mesmo estudo, alguns dos ésteres de menor viscosidade foram selecionados para a realização de testes preliminares em motores do ciclo diesel. O éster metílico obtido em meio básico, e os ésteres etílico e butílico obtidos em meio ácido, não apresentaram problemas de ignição e desempenho, apresentando pouca ou nenhuma fumaça na exaustão. Os demais ésteres não foram testados por critérios de viscosidade e o rendimento da reação não serviu como parâmetro para a seleção dos ésteres a serem utilizados nos testes.

Segundo Mittelbach e Tritthart22, a utilização de biodiesel de óleos de fritura em motores do ciclo diesel apresentou bons resultados. Os testes foram realizados em bancada dinanométrica e em veículo de carga média com motor turbinado a diesel. Por outro lado, a avaliação da emissão de gases demonstrou que houve um aumento relativo na liberação de gases nitrogenados, particularmente quando o biocombustível foi comparado ao diesel convencional. A Tabela 5 apresenta algumas das características físicas e químicas do biodiesel usado nesses testes. Apesar de não atender a uma especificação definida, o biodiesel de óleos de fritura apresentou características bastante semelhantes aos ésteres de óleos "novos" descritos anteriormente (Tabela 3). Por outro lado, mesmo sendo um biodiesel de óleo parcialmente oxidado, suas características foram bastante próximas às do óleo diesel convencional, apresentando inclusive uma boa homogeneidade mediante análise de sua curva de destilação.

Apesar dos excelentes resultados obtidos por esses e outros autores, é inevitável admitir que o óleo de fritura traz consigo muitas impurezas, oriundas do próprio processo de cocção de alimentos. Portanto, para minimizar esse problema, é sempre aconselhável proceder uma pré-purificação e secagem dos óleos antes da reação de transesterificação.

EMISSÃO DE POLUENTES

A utilização de biodiesel no transporte rodoviário pesado oferece grandes vantagens para o meio ambiente, principalmente em grandes centros urbanos, tendo em vista que a emissão de poluentes é menor que a do óleo diesel(23-25). Chang et al.23 demonstraram que as emissões de monóxido e dióxido de carbono, enxofre e material particulado foram inferiores às do diesel convencional. No entanto, os níveis de emissões de gases nitrogenados foram maiores para diferentes tipos de biodiesel.

A emissão de hidrocarbonetos proveniente da utilização do biodiesel de óleo de soja é, de um modo geral, inferior ao diesel convencional. Por exemplo, em motores turbinados que utilizam trocadores de calor para aquecer o ar de admissão em baixas cargas, foi observada uma redução nominal de 40%16. Por outro lado, ao serem comparadas as emissões de fumaça provenientes dos óleos diesel e vegetal transesterificado, verificou-se nitidamente que os menores índices corresponderam ao consumo de óleo transesterificado, principalmente acima de 4000 rpm. Esse comportamento, demonstrado para biodiesel de piqui, foi também observado para biodiesel de outras matérias-primas17 (Figura 2).


No caso da combustão do biodiesel, acredita-se que a emissão de aldeídos pode atingir valores 5-l0 vezes maiores que os obtidos na combustão do diesel. Apesar disso, o número de mutações no teste de Ames foi em média três vezes menor para o óleo vegetal do que para o óleo diesel16.

O odor proveniente da queima dos ésteres de óleo vegetal, sensivelmente diferente daquele do óleo diesel, tem sido considerado como aceitável por algumas pessoas e enjoativo por outras. Por outro lado, a ausência de enxofre confere ao biodiesel uma grande vantagem, pois elimina a emissão de gases de enxofre (e.g., mercaptanas, SO2) que ocorre no escape dos motores a diesel.

Recentemente, foi testada na frota de transporte coletivo da cidade de Curitiba a utilização de biodiesel de óleo de soja, doado pela "American Soybean Association". O biodiesel foi misturado ao diesel convencional na proporção de 20%, com o propósito de verificar a eficiência desse combustível na redução da poluição ambiental. Os testes foram realizados em 20 ônibus de diferentes marcas durante três meses consecutivos e, ao final dos trabalhos, apresentaram redução média de fumaça em torno de 35% 26.

Os testes realizados em Curitiba foram também acompanhados por uma pesquisa de opinião pública, diretamente orientada, em abordagem não induzida, à identificação dos possíveis benefícios que o biodiesel pudesse ter causado na qualidade do ar em terminais de transporte coletivo do município, particularmente nos períodos de pico. Dos 390 usuários que responderam ao questionário, 55% declararam que a poluição do ar diminuiu nos terminais, enquanto que 58% responderam que o mau cheiro no terminal também havia diminuído27. Tais resultados foram considerados bastante expressivos, considerando-se que apenas 20% dos ônibus que circulavam no terminal estavam abastecidos com a mistura B20.

Quanto a emissão de poluentes a partir de biodiesel de óleo usado em frituras, Mittelbach e Tritthart22 observaram que os níveis de hidrocarbonetos, monóxido de carbono e materiais particulados foram inferiores ao diesel. No teste com motor estacionário e principalmente, com o motor em movimento, houve redução de 50% desses poluentes. Embora a emissão de gases nitrogenados tenha sido superior, tal comportamento não foi diferente daquele observado para outros tipos de ésteres provenientes de matérias-primas não utilizadas previamente em frituras.

A emissão de hidrocarbonetos e compostos policíclicos aromáticos foi também investigada por Mittelbach e Tritthart22. Os principais compostos policíclicos aromáticos presentes nas emissões foram o fluoranteno e o pireno, que constituíram cerca de 70% do total analisado. Porém, foi também detectada a presença de outros componentes minoritários, como o criseno, benzo(a)pireno, benzo(b)fluoranteno, indeno(1,2,3-cd)pireno, benzo(k)fluoranteno, benzo(ghi)perileno, antantreno e perileno, sendo que os quatro primeiros apresentam atividade biológica comprovada. No que tange a estes compostos, as emissões oriundas do biodiesel de óleo de fritura foram aproximadamente 28% superiores às do óleo diesel, mas, de acordo com os autores, não atingiram níveis considerados como críticos pela legislação européia.

AVALIAÇÃO DO USO DE BIODIESEL DE ÓLEO DE FRITURAS EM ÔNIBUS DO TRANSPORTE COLETIVO DA CIDADE DE CURITIBA

Testes preliminares com biodiesel de óleo usado em frituras foram realizados em ônibus do transporte coletivo da cidade de Curitiba, cedido pela Prefeitura Municipal através da Companhia de Urbanização (URBS)28. O biodiesel (ésteres metílicos) foi produzido na Empresa Filtroil (Campina Grande do Sul, Paraná) em parceria com o UFPR/CEFET-PR e utilizado em ônibus da marca "Mercedes Benz" com motor 355 turbinado e potência de 238 CV. O ônibus percorreu o total de 915 km em condições normais de trabalho, utilizando 20% de biodiesel e 80% de diesel convencional (Tabela 6). O teste foi realizado em duas etapas e apresentou desempenho normal, exceto por um leve odor de óleo de frituras expelido pelo escapamento. A média de consumo de biocombustível (2,1 km/L) esteve na faixa de normalidade para veículos desse porte, que normalmente utilizam óleo diesel puro. A maior diferença verificou-se com relação a emissão de fumaça, cuja redução média foi 41,5%, medido em escala Bosch (Figura 3).


Na Tabela 6, verifica-se que o biodiesel de óleo de fritura apresentou maior viscosidade e densidade que o óleo diesel. Entretanto, essa diferença foi significativamente reduzida na mistura a 20% (mistura B20), cujas características apresentaram-se muito próximas às do óleo diesel puro, inclusive em relação aos seus pontos de fulgor e de combustão. A mistura nessa proporção foi também ideal quanto ao ponto de ignição do combustível, pois a incorporação de biodiesel não comprometeu a partida a frio do motor. A ausência de sedimentos revelou que o biodiesel estava livre de impurezas sólidas. Como o óleo foi preferencialmente derivatizado em meio alcalino, a neutralização do meio reacional com ácido clorídrico diluído formou quantidades apreciáveis de cloreto de sódio, cuja presença em quantidades ainda que residuais é prejudicial para o desempenho dos motores. Testes complementares indicaram a ausência de cloretos mas, para garantir a qualidade do produto gerado, o monitoramento do biocombustível por técnicas analíticas mais precisas, como a espectrometria de absorção atômica e fotometria de chama, faz-se imprescindível.

Os testes pioneiros realizados com biodiesel de óleo de fritura no sistema de transporte coletivo da cidade de Curitiba, sob a orientação dos Profs. Luiz Pereira Ramos (UFPR) e Pedro Ramos da Costa Neto (CEFET/PR), apresentaram resultados bastante promissores. No entanto, para avaliar a real eficiência e viabilidade deste biocombustível alternativo, será necessária a realização de testes de longa duração para que se possam avaliar as consequências mecânicas que o biodiesel de óleo de fritura efetivamente acarreta em motores lacrados previamente aferidos.

CONCLUSÃO

A utilização de biodiesel como combustível tem apresentado um potencial promissor no mundo inteiro. Em primeiro lugar, pela sua enorme contribuição ao meio ambiente, com a redução qualitativa e quantitativa dos níveis de poluição ambiental, e, em segundo lugar, como fonte estratégica de energia renovável em substituição ao óleo diesel e outros derivados do petróleo. Vários países vêm investindo pesado na produção e viabilização comercial do biodiesel, através de unidades de produção com diferentes capacidades, distribuídas particularmente na Europa (França, Áustria, Alemanha, Bélgica, Reino Unido, Itália, Holanda, Finlândia e Suécia), na América do Norte (Estados Unidos) e na Ásia (Japão)29,30. Dentre as matérias-primas mais utilizadas figuram os óleos de soja e de canola e alguns tipos de óleos de fritura, como aqueles derivados do processamento industrial de alimentos para refeições industriais. Um exemplo importante desta atividade está localizado na província de Idaho (Simplot Company Food Group, J. R. Simplot Company, Pocatello, Idaho, USA), onde os óleos utilizados para fritura de batatas são empregados na produção de biodiesel, juntamente com o etanol derivado da hidrólise e fermentação de refugos do processamento da batata (amido)31.

A significativa redução de fumaça, obtida em teste com biodiesel de óleo usado, demonstrou que vale a pena reutilizar o óleo descartado de frituras para a produção desse combustível. Com isso, fica identificado um destino mais adequado a este resíduo agro-industrial que, no Brasil, é desprezado e/ou parcialmente aproveitado de maneira muitas vezes inadequada. Finalmente, é importante ressaltar que um programa de substituição parcial de óleo diesel por biodiesel de óleo de fritura dependeria da criação de um eficiente sistema de coleta de óleos usados, o que certamente encontra-se distante de nossa realidade. No entanto, devido à compatibilidade observada dentre os ésteres obtidos de óleo novo e usado, pode-se perfeitamente recomendar que, em processos industriais de produção de biodiesel, óleos vegetais de descarte sejam diretamente incorporados ao óleo de soja bruto, anteriormente ao processo de transesterificação.

AGRADECIMENTOS

Agradecimentos são prestados em reconhecimento à colaboração e apoio dos Profs. Drs. Maria Cristina da Silva e Eloy Sassi Casagrande Jr., do CEFET/PR, assim como da Profa. Dra. Maria da Graça Nascimento, da UFSC. A colaboração de vários parceiros na iniciativa privada é aqui também reconhecida, particularmente através da Filtroil, da Risotolândia Indústrias e Comércio de Alimentos Ltda., da Allegritos, da Auto Viação Marechal Ltda. e da Companhia de Urbanização (URBS) da Prefeitura Municipal de Curitiba, na pessoa do Sr. Euclides Rovani.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2006
  • Data do Fascículo
    Ago 2000

Histórico

  • Aceito
    15 Set 1999
  • Recebido
    12 Fev 1999
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