As Três Cidras do Amor, de Teófilo Braga Fonte: Projeto Vercial <http://web.ipn.pt/literatura//> Permitido o uso apenas para
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hortelaria, Como passou o
rei E a sua preta
Maria? Ele, admirado, respondeu: – Comem e bebem, E levam boa vida. – E a pobre pombinha Por aqui perdida! O hortelão foi dar parte ao príncipe, que ficou muito maravilhado, e disse-lhe: – Arma-lhe um laço de fita. Ao outro dia passou a pomba pelo jardim e fez a mesma pergunta: o hortelão respondeu-lhe, e a pombinha voou sempre, dizendo: – Pombinha real não cai em laço de fita. O hortelão foi dar conta de tudo ao príncipe; disse-lhe ele: – Pois arma-lhe um laço de prata. Assim fez, mas a pombinha foi-se embora repetindo: – Pombinha real não cai em laço de prata. Quando o hortelão lhe foi contar o sucedido, disse o príncipe: – Arma-lhe agora um laço de ouro. A pombinha deixou-se cair no laço; e quando o príncipe veio passear muito triste para o jardim, encontrou-a e começou a afagá-la; ao passar-lhe a mão pela cabeça, achou-lhe cravado num ouvido um alfinete. Começou a puxá-lo, e assim que lho tirou, no mesmo instante reapareceu a menina, que ele tinha deixado ao pé da fonte. Perguntou-lhe porque lhe tinha acontecido aquela desgraça e a menina contou-lhe como a preta Maria se vira na fonte, como quebrou a cantarinha, e lhe catou na cabeça, até que lhe enterrou o alfinete no ouvido. O príncipe levou-a para o palácio, como sua mulher e diante de toda a corte perguntou-lhe o que queria que se fizesse à preta Maria. – Quero que se faça da sua pele um tambor, para tocar quando eu for à rua, e dos seus ossos uma escada para quando eu descer ao jardim. Se ela assim o disse, o rei melhor o fez, e foram muito felizes toda a sua vida. FIM Teófilo Braga, Contos Tradicionais do Povo Português, 1883 |