O Caldo de Pedra, de Teófilo Braga

 

Fonte:

Projeto Vercial <http://web.ipn.pt/literatura//>

 

Permitido o uso apenas para fins educacionais.

 

Este material pode ser redistribuído livremente, desde que não seja alterado, e que as informações acima sejam mantidas. Para maiores informações, escreva para <bibvirt@futuro.usp.br>.

 

Estamos em busca de patrocinadores e voluntários para nos ajudar a manter este projeto. Se você quer ajudar de alguma forma, mande um e-mail para <parceiros@futuro.usp.br> ou <voluntario@futuro.usp.br>.

 

 

 

O CALDO DE PEDRA

Teófilo Braga

 

 

Um frade andava ao peditório; chegou à porta de um lavrador, mas não lhe quiseram aí dar nada. O frade estava a cair com fome, e disse:

 

– Vou ver se faço um caldinho de pedra. E pegou numa pedra do chão, sacudiu-lhe a terra e pôs-se a olhar para ela para ver se era boa para fazer um caldo. A gente da casa pôs-se a rir do frade e daquela lembrança. Diz o frade:

 

– Então nunca comeram caldo de pedra? Só lhes digo que é uma coisa muito boa.

 

Responderam-lhe:

 

– Sempre queremos ver isso.

 

Foi o que o frade quis ouvir. Depois de ter lavado a pedra, disse:

 

– Se me emprestassem aí um pucarinho.

 

Deram-lhe uma panela de barro. Ele encheu-a de água e deitou-lhe a pedra dentro.

 

– Agora se me deixassem estar a panelinha aí ao pé das brasas.

 

Deixaram. Assim que a panela começou a chiar, disse ele:

 

– Com um bocadinho de unto é que o caldo ficava de primor.

 

Foram-lhe buscar um pedaço de unto. Ferveu, ferveu, e a gente da casa pasmada para o que via. Diz o frade, provando o caldo:

 

– Está um bocadinho insosso; bem precisa de uma pedrinha de sal.

 

Também lhe deram o sal. Temperou, provou, e disse:

 

-Agora é que com uns olhinhos de couve ficava que os anjos o comeriam.

 

A dona da casa foi à horta e trouxe-lhe duas couves tenras. O frade limpou-as, e ripou-as com os dedos deitando as folhas na panela.

 

Quando os olhos já estavam aferventados disse o frade:

 

– Ai, um naquinho de chouriço é que lhe dava uma graça...

 

Trouxeram-lhe um pedaço de chouriço; ele botou-o à panela, e enquanto se cozia, tirou do alforge pão, e arranjou-se para comer com vagar. O caldo cheirava que era um regalo. Comeu e lambeu o beiço; depois de despejada a panela ficou a pedra no fundo; a gente da casa, que estava com os olhos nele, perguntou-lhe:

 

– Ó senhor frade, então a pedra?

 

Respondeu o frade:

 

– A pedra lavo-a e levo-a comigo para outra vez.

 

E assim comeu onde não lhe queriam dar nada.

 

 

FIM