XVIII

 

Treme a selva com o estrupido da carreira do povo tabajara. O grande Irapuã, primeiro, assoma entre as árvores. Seu olhar rúbido viu o guerreiro branco entre nuvens de sangue; o ronco bravio do tigre rompe de seu peito cavernoso.

 

O chefe tabajara e seu povo iam precipitar-se sobre os fugitivos, como a vaga encapelada que arrebenta no Mocoripe.

 

Eis que late o cão selvagem.

 

O amigo de Martim solta o grito da alegria:

 

—O cão de Poti guia os guerreiros de sua taba em socorro teu.

 

O rouco búzio dos pitiguaras estruge pela floresta. O grande Jacaúna, senhor das praias do mar, chegava do rio das garças com seus melhores guerreiros.

 

Os pitiguaras recebem o primeiro ímpeto do inimigo nas pontas irriçadas de suas flechas, que eles despedem do arco aos molhos, como o cuandu os espinhos do seu corpo. Logo após soada pocema, estreita-se o espaço, e a luta se trava face a face.

 

Jacaúna atacou Irapuã. Prossegue o horrível combate que bastara a dez bravos, e não esgotou ainda a força dos grandes chefes. Quando os dois tacapes se encontram, a batalha toda estremece como um só guerreiro, até às entranhas.

 

O irmão de Iracema veio direito ao estrangeiro, que arrancara a filha de Araquém à cabana hospitaleira; o faro da vingança o guia; a vista da irmã assanha a raiva em seu peito. O guerreiro Caubi assalta com furor o inimigo.

 

Iracema, unida ao flanco de seu guerreiro e esposo, viu de longe Caubi e falou assim:

 

—Senhor de Iracema, ouve o rogo de tua escrava; não derrama o sangue do filho de Araquém. Se o guerreiro Caubi tem de morrer, morra ele por esta mão, não pela tua.

 

Martim pôs no rosto da virgem olhos de horror:

 

—Iracema matará seu irmão?

 

—Iracema antes quer que o sangue de Caubi tinja sua mão que a tua; porque os olhos de Iracema vêem a ti, e a ela não.

 

Travam a luta os guerreiros. Caubi combate com furor; o cristão defende-se apenas; mas a seta embebida no arco da esposa guarda a vida do guerreiro contra os botes do inimigo.

 

Poti já prostrou o velho Andira e quantos guerreiros topou na luta seu válido tacape. Martim lhe abandona o filho de Araquém e corre sobre Irapuã.

 

—Jacanna é um grande chefe, seu colar de guerra dá três voltas ao peito. O tabajara pertence ao guerreiro branco.

 

—A vingança é a honra do guerreiro, e Jacaúna preza o amigo de Poti.

 

O grande chefe pitiguara levou além o formidável tacape. Renhiu-se o combate entre Irapuã e Martim. A espada do cristão

 

batendo na clava do selvagem, fez-se em pedaços. O chefe tabajara avançou contra o peito inerte do adversário.

 

Iracema silvou como a boicininga; e arrojou-se contra a fúria do guerreiro tabajara. A arma rígida tremeu na destra possante do chefe e o braço caiu-lhe desfalecido.

 

Soava a pocema da vitória. Os guerreiros pitiguaras conduzidos por Jacaúna e Poti varriam a floresta. Fugindo, os tabajaras arrebataram seu chefe ao ódio da filha de Araquém que o podia abater, como a jandaia abate o prócero coqueiro roendo-lhe. o cerne.

 

Os olhos de Iracema, estendidos pela floresta, viram o chão juncado de cadáveres de seus irmãos; e longe o bando dos guerreiros tabajaras que fugia em nuvem negra de pó. Aquele sangue que enrubescia a terra, era o mesmo sangue brioso que lhe ardia nas faces de vergonha.

 

O pranto orvalhou seu lindo semblante

 

Martim afastou-se para não envergonhar a tristeza de Iracema.

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