Nova Viagem à Lua, de Artur Azevedo
Fonte:
AZEVEDO,
Artur. Teatro de Artur Azevedo - Tomo 1. Instituto Nacional de Artes
Cênicas- INACEN. V. 7: Coleção Clássicos do teatro Brasileiro.
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NOVA
VIAGEM À LUA
Artur Azevedo
Opereta
em 3 atos
Original
de Artur Azevedo e Frederico Severo
Música
de Le Coq
1877
Representada
pela primeira vez no Teatro Fênix Dramática
Rio
de Janeiro
Personagens
Machadinho
Luís
Augusto,
guarda livros
Silva
Fonseca
Arruda
Barão
de Val-de_Vez
Doutor
Cábula (alcunha)
Santos
(empregado público)
Joaninha
Rosinha
Sara
Chiquinha
Um
Feitor
Um
Negro
Dois
Criados
Criados,
escravos, estudantes, máscaras, cocotes, etc.
A
ação do primeiro ato passa-se em Ubá, província de Minas Gerais, e a
dos dois últimos na corte. Atualidade.
Ato Primeiro
O teatro representa
o pátio de uma fazenda. À direita, a casa com alpendre e tranqueira.
Cerca ao fundo. A estrada em perspectiva.
Cena
I
Machadinho, Luís Augusto e Silva(Ao levantar o pano,
a cena está vazia; ouve-se fora o jongo, entoado pelos negros no eito.)
Jongo
Trabaia,
negro,
trabaia
Na
roça de teu sinhô!
O
dia já vai bem arto...
Trabaia
té o só se pô...(1)
(Machadinho,
Luís, Augusto, e Silva entram em trajes de montar.
Machadinho
- Sim, senhor! Aqui é que se vive! Isto é que são passeios! Que bonitas
fazendas! Que paisagens! Não volto! Decididamente, não volto!
Augusto
- Que entusiasmo!
Machadinho
- Estou enlevado, encantado, arrebatado. (Caindo em uma cadeira de ferro.) e... cansado! Uf! Aquele maldito
sendeiro!
Silva
(À
Luís.) -
Duvido que aquelas Moças que convidaste venham...
Machadinho
(Erguendo-se.)
-
Não estejas a imaginar desgraças! Por que não hão de vir?
Silva
- Com este sol! Virão?
Luís
- Se lhes mandássemos a traquitana de papai?
Machadinho-
Que traquitana! Não estamos nós aqui? Nós, a elite, o high-life
grand-monde? Deixa estar que elas hão de
vir.
Augusto
- O defunto não enjeita a cova.
Machadinho-
São favas contadas. Passaremos hoje uma noite esplêndida!
Luís
- Vou prevenir mamãe que temos visitas.
Augusto
(Batendo-lhe
no ombro.) -
Um jantarão, hein, meu velho? A bela feijoada de orelheira e a maravilhosa
salada de pepinos...
Silva
- É indigesto.
Augusto
- Indigesto és tu. (A
Luís.) Tenho
uma fome...
Machadinho-
É dois...
Silva
- E quatro...
Luís
- Vocês não façam cerimônia; quando quiserem mudar de roupa, entrem;
já sabem onde estão os seus quartos.
Augusto
(Empurrando-o
para casa.) -
Olha, filho, ocupa-te mais do nosso estômago, e menos do nosso fato.
Vai, vai...
Luís
- Até logo. (Entra
em casa,)
Cena II
Machadinho,
Augusto e Silva
Machadinho
- Sentemo-nos. (Senta-se.)
Silva
- Bem lembrado. (Senta-se.)
Augusto
- Vá lá. (Senta-se.)
Machadinho
(Bifurcado
na cadeira.) -
Então? O que lhes dizia eu? Que se não haviam de arrepender. E arrependeram-se?
Isto é que é vida!
Augusto
- Até agora não temos razão de queixa.
Silva
- Temos sido muito obsequiados.
Augusto
- E tratados a vela de libra!
Silva
- Assim eu era capaz de passar um ano em férias!
Machadinho
- E eu um século.
Augusto
- E eu abandonava o escritório do patrão por uma eternidade! - Mas,
digam-me cá, rapazes! (Aproximam-se
as cadeiras.) O
Luís não lhes parece que anda meio assim?...
Machadinho
- Espera. (Ergue-se
e vai certificar-se que estão bem sós.) O Luís é uma pérola, não é?
Augusto
- Ninguém diz o contrário.
Machadinho-
Mas acerca disto, (Bate
na cabeça.) coitado...
Silva
- Ninguém diz o contrário.
Machadinho-
O Luís anda apaixonado...
Augusto
e Silva - Hein?...
Machadinho
- Vocês conhecem a Zizinha?
Silva
- A polca?
Machadinho
- Que polca! A polca não se chama Zizinha... - Ó Silva, refiro-me àquela
nossa vizinha, filha do Santos, empregado no Tesouro!
Silva
- Ahn...
Augusto
- O pai conheço eu, mas não tenho relações com a família.
Machadinho
- Pois a Zizinha está prometida ao Luís com uma condição: o velho Santos
só lhe concede a mão da filha, se o Luís fizer com que o pai vá a corte.
Augusto
- Homessa!
Silva
- Nada mais fácil.
Machadinho
- Isso é o que te parece. O velho Arruda, pai de Luís, foi condiscípulo
do velho Santos, pai de Zizinha, quando estudantes no Seminário; como
eram muito teimosos, um belo dia brigaram por via da batina do reitor.
Augusto
- Ora esta!
Machadinho
- Da batina, sim! Um dizia que era de merino e outro que de cetim!
Silva
- Ah! Ah! Ah! De forma que...
Augusto
- Ficaram mal... Ah! Ah! Ah!...
Machadinho
- Exatamente. O velho Arruda (seja dito de passagem aqui entre nós,
que ninguém nos ouve)... (Certificando-se
de novo que estão bem sós.) O velho Arruda anda de dois pés com licença da Câmara.
Silva
(Com
o mesmo jogo de cena.) - É tapado como uma ostra...
Augusto
(No
mesmo) -
Como duas ostras.
Machadinho
- Retirou-se cá para a fazenda e embirrou em não voltar à corte enquanto
o seu antigo condiscípulo se achasse lá. Turrão como ele só!...
Silva
- Mas, afinal de contas, de que era a batina?
Machadinho
- As partes litigantes não chegaram a um acordo. (Aparece Luís.)
Augusto
- E quem te contou essa história? O Luís?
Cena III
Machadinho,
Augusto, Silva e Luís
Luís
- Eu mesmo, e é a pura verdade, meus amigos.
Silva
(Sobressaltado.)
-
Estavas ouvindo?
Luís
- Estava.
Machadinho
(Muito
atrapalhado.) -
Oh! diabo! Ouviste o que dissemos a respeito de teu pai?
Luís
(Com
simplicidade.) -
De papai? Não... o que foi?
Machadinho
- Então estamos salvos. Desculpa minha indiscrição.
Luís
- Não só desculpo, mas agradeço. Poupaste-me o trabalho; eu ia fazer-lhes
esta confidência...
Os
Três - Sim?
Luís
- E pedir-lhes um serviço...
Os
Três - Fala...
Luís
- Ajudem-me a fazer com que o velho vá à corte.
Augusto
- É difícil.
Machadinho
- Qual difícil! Astúcia no caso!
Silva
- Assim sim.
Augusto
- Qual há de ser?
Machadinho
- O que acharmos.
Os
Quatro - Procuremos... (Toma cada um sua cadeira, e sentam-se Todos isoladamente.
Pausa.)
Augusto
- Acharam?
Silva
- Qual!
Machadinho
- Ouçam. (Ergue-se,
reflete e volta a sentar-se.) Qual! não presta!
Luís
- É o diabo... (Ergue-se.)
Augusto
- Com botas! (Ergue-se.)
Silva
(Imitando-os.)
Não
me lembro de nada..
Machadinho
(No
mesmo, desabridamente.) - Procuremos!
Os
Quatro - Procuremos! (Pensam.)
Coro
Ou
por bem, ou por mal.
por
qualquer mei’original,
o
velho vai à corte, olé!
passar
o carnaval!
(Este
coro é executado com um ligeiro movimento coreográfico.)
Cena IV
Machadinho, Augusto, Silva,
Luís e Arruda
Arruda
(Sai
de casa e parece preocupado com a leitura de um livro.) - Doze pé de artura sobre nove de largo. (A Luís, que lhe
estende a mão.) Tu
estava
aí,
Lulu? Deus Nosso Senhor Jesus Cristo te dê uma boa sorte. - Ó Lulu me
diz: isto é verdade memo? Estes home fôrum a Lua?
Luís
- Que homens, papai?
Arruda
- Aqui tá
escrevido em
letra de imprensa nesta novela de (Lendo o lombo do livro.) Júlio Verne.
Luís
- É e não é verdade.
Machadinho
(Puxando
pelo paletó.) -
Cala-te, diabo! Deixa-me falar: achei um meio.
Arruda
- Ó Lulu, pois se aqui está imprimido! Como é entonces que não é verdade, home? Pois os livros da imprensa
também mente,
home?
Machadinho
- O Luís tem razão, Senhor Arruda; é e não é verdade.
Arruda
- Quá
seu
doutô, não é possíve!
Machadinho
- Eu me explico: é verdade, porque tudo isso que aí está escrito, aconteceu
- e o não é, quanto ao nome dos personagens, que estão trocados.
Arruda
- Mas entonces
por
quê?
Machadinho
(Estalando
os dedos.) Isso
foi um cometimento grandioso, que abalou todas as notabilidades científicas
dos dois mundos.
Arruda
- Os dois mundo? Quá é outro? (Satisfeito por ter
achado.) Ah!
é o mundo da Lua!
Silva
(Rindo-se.)
-
Nada: o mundo velho e o novo mundo.
Arruda
(Com
ares de quem sabe.) -
Sim... sim...o véio
e
o novo... Vamo
adiante.
Machadinho-
Como ia dizendo, essa empresa abalou todas as notabilidades científicas...
todas e mais algumas!
Arruda
- Que brincadeira, hein? Abalou muita gente!
Machadinho
- Os que tomaram parte nela foram alvo de estrondosas manifestações,
e por modéstia ocultaram os seus nomes; se assim não fizessem o povo
da União não os deixaria mais descansar.
Arruda
- Da União e Indústria? (Risadas.)
Machadinho-
Quem lhe falou em União e Indústria? A União, isto é, os Estados Unidos
da América!
Arruda
- Ahn... Agora entendi, seu doutô. Pois, meus amigo, tou com vontade de dá um passeio até a Lua!
Silva
(Baixinho,
a Machadinho.) -
Até a Lua? E esta?...
Arruda
- Vamo
à
Lua, vamo, rapaziada? Que glória pra
nós e pro Brasil, pro
mode disso.
Machadinho
- Soberbo! Sublime arrojo!
Arruda
- É um grande projeto, não é, seu doutô?
Machadinho
- Admirável!
Augusto
- Incomparável!
Silva
- Incomensurável!
Arruda
- Vocês são quase engenheiro...
Augusto
- Menos eu...
Arruda
- Se encarrégum
de
arranjá o apareio...
mas
porém eu é que devo dá
o risco! Que
tu diz
a
isto, Lulu?
Luís
(Simplesmente;)
-
Eu digo... Não digo nada...
Arruda
- Iremo
num
foguete!
Machadinho
- Boa idéia!
Arruda
- Só lhe falta o rabo.
Machadinho
- À idéia?
Arruda
- Ao foguete.
Machadinho
- Comprometo-me pela construção do aparelho!
Arruda
- O foguete há de assubir
do
morro mais arto
que
houvé no Rio de Janeiro!
Machadinho
- Certamente.
Arruda
- Duma feita em qu’o céu tivé bem limpo, e não chuvá nem trovoada tão cedo.
Silva
- Isso é que há de ser difícil!
Arruda
- Difice? Tenho aqui o tira-teima,
home ! (Tirando um folheto
do bolso.) O
Armanaque
do
Ayer! Isto é aquela certeza. Se ele pega diz que não chové, é porque não chove memo.
Augusto
(À
parte.) -
Em que dará tudo isto?
Arruda
- Vamo
passá o
entrudo na Lua: ao menos o terceiro dia há de ser muito adivertido!
Luís
- Mas, papai, a empresa é muito dispendiosa.
Arruda
- Sou pobre de rico, louvado seja Deus Nosso Senhor Jesus Cristo! Pra
cobri de glória a minha terra, não
olho sacrafício.
Luís
- Mas...
Machadinho
(À
parte, a Luís.) -
Não te calarás! (Alto,
a Arruda.) Está
dito, Senhor Arruda, vá fazer o desenho do foguete. E hurra pela Lua!
Todos
- Hurra!
Rondó
e coro
Machadinho
- Isto há de dar ao mundo o que falar!
Estes
tipos pelo ar
(é
verdade nua e crua!),
num
foguete a viajar!
A
glória que nós vamos conseguir,
essa
glória que há de vir,
-
não há nada que a destrua;
nada
a pode destruir!
Quando
chegarmos à Lua,
hei
de, olé! me divertir!
Tomarei
uma perua!
Muito
havemos nós de rir!
Todos
- Quando chegarmos à Lua,
hei
de, olé! me divertir!
Tomarei
uma perua!
Muito
havemos nós de rir!
Machadinho
- Destemidos, decididos,
vamos
viajar
no
ar!
Sujeitos
tão atrevidos
se
procurarão
em
vão.
O
nosso nome
grande
renome
com
certeza alcançará;
um
monumento
tão
grande invento
juro
que valer-nos-a!
Pobre
ficamos
que
mal nos faz?
Glória
alcançamos,
que
vale mais!
-
Muito ganhamos
coa
empresa audaz
que
honra nos traz!
Quando
chegarmos à Lua,
hei
de, olé! me divertir!
Tomarei
uma perua!
Muito
havemos nós de rir!
Todos
- Quando chegarmos à Lua,
hei
de, olé! me divertir!
Tomarei
uma perua!
Muito
havemos nós de rir!
Machadinho
- Agraciados,
remunerados,
condecorados
seremos
nós!
A
viajar
vamos
honrar
nossos
avós!
Todos
- Agraciados,
remunerados,
condecorados
seremos
nós!
A
viajar
vamos
honrar
nossos
avós!
Machadinho
- Receberemos mil atenções
e
comissões,
aclamações,
licitações,
exortações,
adulações
animações,
publicações
e
muitas congratulações!!...
Todos
- Quando chegarmos à Lua,
hei
de, olé! me divertir!
Tomarei
uma perua!
Muito
havemos nós de rir!
Arruda
- Vou tratar do desenho. (Entra em casa.)
Cena V
Machadinho,
Augusto, Silva e Augusto
Luís
- O que estás fazendo?
Machadinho
- O que estou fazendo? Estou a arranjar meios e modos de levar teu pai
à corte.
Luís
- Como assim?
Machadinho
- Não temos aqui fundição nem operários; é preciso irmos à corte para
arranjar o foguete.
Luís
- Estás a ler; não conheces papai. Ele é capaz de estabelecer uma fundição
na fazenda e mandar vir operários da Inglaterra.
Machadinho
- Mas a ascensão não pode ser feita senão do Corcovado! Far-se-á tudo
como se fora real, à exceção da despesa. Não tocaremos no dinheiro do
teu papai. (A Augusto.) Ó Augusto, tu ainda és o presidente
dos Netos
da Lua?
Augusto
- À falta de homens...
Machadinho
- Eu pertenço à sociedade, mas não sei a quantas anda.
Augusto
- Com que então é preciso meter na dança uma sociedade carnavalesca?
Machadinho
- Ouve, e cala-te: Oficia daqui à Sociedade, e diz-lhe que tens um carro
de idéia.
Silva-
Um carro de idéia? Ah! é a gíria...
Machadinho
- Dou-te uma idéia do carro: leva dentro o foguete que há de ser de
papelão e prateado ou bronzeado, e de acordo com o desenho do nosso
Arruda. O resto fica por minha conta. (A
Luís, que pensa.) Compreendes?
Luís
(Pensando.)
-
Começo a compreender... (Pausa.)
Compreendo!
Ó Machadinho, ó Augusto, ó Silva, dêem-me as suas mãos. (Aperta-lhes as mãos.)
Pobre
Zizinha, como vais ser feliz!
Romanza
Dona
do afeto meu,
esplêndida
Zizinha,
em
breve serei teu,
em
breve serás minha!
Hei
de levar papai
de
teu pai à presença...
Oh!
que ventura imensa!
Amor
c’roar-nos vai!
Ligar
à tua a minha sorte
é
quanto almejo,
quanto
desejo.
Papai,
papai, irás à corte!
Tu
não calculas, não,
Sinhá,
quanto te adoro!
Se
cerca-me a solidão
vens-me
à lembrança e choro...
Ai!
quem me dera estar
já,
entre os teus carinhos,
os
cândidos filhinhos
nas
pernas a embalar.
Ligar
à tua a minha sorte
é
quanto almejo,
quanto
desejo.
(Durante
esta romanza os outros rapazes têm feito grupo à parte e conversam entre
si.)
Augusto
- É bonito, mas é triste...
Machadinho
(A
Luís.) Toma
vergonha, comporta-te, meu simplório; não chores! Lembra-te que és quase
um senhor bacharel em Matemáticas pela antiga Central! (Declamando com ênfase.)
Um
das colunas que... (Outro
tom.) Não
chores, ó Arruda Júnior. (Luís ri-se.) Ora graças a Deus que já te ris.
Luís
- Confio muito em você, Machadinho, mas, quando me lembro que papai
é tão teimoso, receio ver por terra os teus projetos. E o velho Santos
é outro! Se não levo papai à corte, pega fogo na canjica.
Machadinho
(Batendo-lhe
de leve rosto, como se costuma fazer às crianças.) - Coitadinho do Lulu! Deixa
estar, deixa estar, meu benzinho, que papai há de ir, e em nossa companhia.
Silva
- Já falaste ao velho sobre esse casamento?
Luís
- Já, e está por tudo!
Machadinho
- Então melhor! Viva Deus! Está tudo arranjado!
Polca
cantada (2)
Polca
I
Ser
minha
Juraste...
Faltaste,
Zizinha.
A
jura!
Mentida,
Perjura,
Fingida!
II
Não
cresta
Essa
face...
Na
festa
Valsaste!
Dançando
Qual
fada,
Girando
Enlevada!
III
Eu
vi-te
Passar.
E
o par
Te
cingia!
Teu
rosto
Formoso
De
gozo
Sorria.
IV
Eu
triste
Calado,
Ralado,
De
dor!
Que
bem
Te
importavas,
Valsavas
Ó
flor!
V
E
fraco
Sozinho
Mesquinho,
Chorei!
Dizia
Meu
pranto
O
quanto
Te
amei.
VI
Assim
Como
a rosa
Formosa
Definha...
Pra
mim
Feneceste,
Morreste,
Zizinha!...
Augusto
- Bem, vamos mudar de fato. As Moças não devem tardar.
Todos
- Vamos.
Luís
- Esperem...
Repetição
Ligar
à tua a minha sorte,
é
quanto almejo,
quanto
desejo!
Papai,
papai, irás à corte!
Todos
- Papai, papai, irás à corte. (Saem.)
Cena VI
Arruda
e um Feitor
Arruda
- Pois aqui está, Seu Zé. Leve esta cartinha ao compadre Mané Mascate, tá ouvindo? Olhe que o home hoje tá feito Barão... Veja como trata
ele.
O
Feitor - Nhor,
sim,
patrão. (
Vai a sair.)
Arruda
- Escute cá: - Você só trate o home de seu Barão, hein? tá ouvindo? Seu Barão pr’aqui,
Seu Barão pr’ali, Seu Barão pra cá, Seu Barão pr’acolá; que toma, que
vira, Seu Barão, Seu Barão assim; Seu Barão assado; pé, pé, pé, Seu
Barão, Seu Barão, pé, pé, pé...
O
Feitor - Nhor,
sim,
patrão. (
Vai a sair.)
Arruda
- Psiu! Olhe cá. - De caminho para lá passe na venda do Chico Gracia e diga a ele que a besta de
sua irmã dele, que andava descadeirada, já teve o seu bom sucesso, e
tá pronta pra outra.
O
Feitor - Nhor,
sim,
patrão. (
Vai a sair.)
Arruda-
Seu Zé, ó Seu Zé! Olhe! Diga a Seu Barão pr’ele vi logo que arrecebê a carta, tá ouvindo?
O
Feitor - Nhor,
sim,
patrão. (
Vai a sair.)
Arruda
- Olhe, seu Zé. (O
homem volta. Pausa.) Tá bom: vá se embora com Deus e a Virgem Maria.
O
Feitor - Amém, patrão. (Sai.)
Arruda
(Saltando
para fora da tranqueira e gritando.) - Dê lembranças a Sá Baronesa. Tá ouvindo?
O
Feitor (De
longe.) -
Nhor, sim, patrão.
Arruda
(Desce
à cena refletindo e, lembrando-se de alguma coisa mais, corre outra
vez ao fundo e grita.) -
Ó seu Zé? Psiu! Seu Zé! Quá, o home corre cumo um danado! Tem medo que chame ele outra vez!
Cena VII
Arruda (Só)
[Arruda]
(Descendo.)
-
Pois ou eu não me chamo Arruda, ou não dou um pulo até a Casta Diva!
Hei de plantá a bandeira brasileira lá em
cima. (Batendo
no livro, que ainda conserva na mão.) Diz este home que aquilo por lá é uma coisa incomparave. Que home sabido! É um sábio! É um sabão! O moleque é case superiô ao Ayer! Isto! (Tirando a folhinha.)
Isto
também é obra! Quando ele diz que chove, é porque chove memo; já não saio de casa nem a
cacete! Até o dia d’hoje não tem faiado. É aquela certeza! Entonces na Oropa,
dize as foia que
inda é mió.
-
Ora, eu tive um companheiro e amigo lá no Seminário...( eu já fui fromigão, deixei por não ter queda
pro latinório)... esse meu dito companheiro era tão teimoso que, se
tivesse aqui, era capaz de dizê que este Monsiú não foi à Lua! (Bate no livro.)
Fiquemo de
mal porque ele dizia que a batina do senhor reitor era de cetim e eu,
que de merino. Palavra puxa palavra, e pan! fiquemo brigado. Eu peguei, deixei o dito
Seminário e entonces
vim
pra fazenda, prometendo nunca mais vortá à corte. Nesse tempo era vivo o defunto meu
pai e a defunta minha mãe, e ambos e dois me aprovou. Tenho cumprido a minha dita
promessa, porque em teima ninguém me ganha. (Os negros entoam no eito o jongo
da primeira cena.) Oh!
a minha gente está muito adivertida! É porque mandei adistribuir uma ração de parati e roupa
nova de riscado grosso. Como sou feliz, quero que a dita minha gente
seje também.
Cena VIII
Arruda
e O Barão
Barão
(Aparece
no fundo e diz para dentro.) - Ó Epifano, toma vem xentido no oitro.
Prende-o
pola
rédea.
Bê lá não bá fugire.
Arruda-
Ah! é o Mané. Veio depressa, seu compadre.
Barão
(Descendo
à cena.) -
Ora biba
e mal a
obrigação. Arrexevi
o
seu vilhete em caminho e cá estou eu.
Arruda
- Compadre, você hoje janta com nós...
Barão
- Conosco, xeu
compadre,
compadre, conosco é que xe diz. - Janto xim xenhore e com muito prajere...
Arruda
- Prajere
também
não se diz, seu compadre. (À
Parte.) Forte
tolo!
Barão
(À
parte) -
Animale! (Alto) Boxé é muito hospitaleiro. Digo-te como digia o noxo Camões...
Arruda
- Camões?
Barão
- Er’um xujeito
que
nã tinh’est’olho . Como bem a propójito,
encaixo-le este
pidaço: - Traz bom conforto e agajalho!
Arruda
- Parabéns, seu compadre. Sei que agora está feito Barão. Você agora
não negoceia mais coa caixa.
Barão
- Qual caixa nem qual carapuxa!
Xexe tudo
o que a muja
antiga
canta... Isto é do noxo
Camões.
(À parte.) É uma lástima a falare.
Arruda
(À
parte.) -
Fala má
cumo que...(Ouvem-se risadas.)
Aí
vem a rapaziada... E o meu doutô...
Barão
(Emendando.)
-
Doutore, doutore,
compadre!
Cena IX
Arruda,
Barão, Machadinho, Luís, Augusto, Silva
(Os
rapazes entram a rir-se, e com outras roupas.)
Arruda
- Rapazes, o Seu Barão... (Ao Barão.) Barão de quê, seu compadre?
Barão
- Barão de Bal-de-bez.
Arruda
- Barão de Bal-de-bez.
Machadinho
- Deve ser de Val-de-vez. (À parte) Mais um para a coleção...
Arruda
(Apresentando
Luís ao Barão.) -
Seu compadre, aqui tá
o
meu doutô. Ainda não saiu da Academia
e já ali co seu colega. (Mostra Machadinho.) aquele danado, fazer uma mánica...
Barão
- De apanhare
café?
Arruda
(Dando
um assovio e estalando os dedos.) - Quá! Uma mánica que não é pra Terra! Uma coisa admirave! Que há de espantá tudo. Que pega na gente e bota
lá na Lua!
Barão
- Antão
digo
como o noxo
Camões:
- Xexe do xábio grego e do troiano as nabegaxões grandes que fijeram!
Machadinho
- Muito bem.
Augusto
(A
Luís.) -
Apresenta-nos.
Luís
- Senhor Barão, apresento-lhe os meus amigos: o Senhor Augusto Soares,
guarda-livros da respeitável casa comercial, correspondente de papai...
Doutor Silva, Doutor Machadinho.
Os
Rapazes (A
um tempo.) Excelentíssimo,
temos o prazer de cumprimentar Vossa Excelência; honram-nos sobremaneira
as relações que com Vossa Excelência acabamos de travar. (Procuram Todos ao
mesmo tempo apertar a mão ao Barão, que fica atrapalhadíssimo.)
Arruda
- Oh! não fale
tudo assim
de uma vez! O compadre não pode respondê a tudo a um tempo, cambada!
Barão
(Conseguindo
livrar-se dos rapazes.) - Mous
xenhores, não poxo agradexere tanta vondade, xenão a dijere como o noxo Camões: - Cantando espalharei
por toda a parte tantas aquisicências.
Rapazes
(Atrapalhando-o
de novo.) Bravo!
Muito bem!
Barão
- Os maninos
desculpem
falare assim. Aprendi a lere e a escrebere,
e xei de core dois libros: os Lujiadas do noxo Camões e o Código de nã xei quem, mas há de xere do mesmo Camões, porque bai como o oitro que diz, aquilo que é ovra fina. É por ixo que cando acho
acasião,
encaixo um pedaxinho
do noxo Camões.
Xou
muito
amante da literatura.
As
Moças (Aparecendo
ao fundo.) -
Dão licença?
Todos
- As Moças! Vivam! Entrem, minhas senhoras.
Cena X
Arruda, Barão, Machadinho, Luís, Augusto, Silva, Rosinha,
Joaninha e Moças
(Os
rapazes sobem ao fundo e as Moças descem, saltando alegremente.)
Coro
de Moças
Olá!
com sua licença
vamos
entrando pra cá
pois
do sol a calma intensa
ai!
Jesus! de fogo está!
Rosinha
(A
Luís)-
As mais gentis Moças de Ubá
vem
lhe fazer uma visita.
As
Moças - As mais gentis Moças de Ubá
vem
lhe fazer uma visita.
I
Rosinha
- Com custo estou que nos dirá
qual
é de nós a mais bonita
e
qual de nós mais chique está.
Ah!
-
Nós hoje, às mil maravilhas,
vamos
decerto passar!
Valsas,
polcas e quadrilhas
vamos
dançar!
Brincar!
Folgar
As
Moças - Nós hoje, às mil maravilhas,
vamos
decerto passar!
Valsas,
polcas e quadrilhas
vamos
dançar!
Brincar!
Folgar!
II
Joaninha
- Senhores meus, hão de convir
que
estamos já civilizadas!
As
Moças - Senhores meus, hão de convir
que
estamos já civilizadas!
Joaninha
- Pois também sabemos rir!
Não
somos, não, desajeitadas!
Sabemos
já nos divertir!
Ah!
(Repetição
do Coro)-
Nós hoje, às mil maravilhas,
vamos
decerto passar!
Valsas,
polcas e quadrilhas
vamos
dançar!
Brincar!
Folgar!
Arruda
- Vocês
veio sozinha?
Rosinha
- O Juca veio conosco; ficou atrás.
Luís
- Agradeço terem aceitado o meu convite.
Joaninha
- Visitá-los era nosso dever de vizinhas...
Rosinha
- O seu convite foi um excesso de delicadeza.
Joaninha
- Senão uma amável repressão.
Barão
- Destarte o reio
Mouro
axim falaba, como dixe o noxo Camões.
Todos
- Ah! Ah! Ah!
Machadinho
- Pois Camões disse isto?
Joaninha
- Onde está Dona Miquelina, Senhor Arruda?
Arruda-
Tá
lá
dentro determinando a janta. (Chamando
para dentro.) Ó
Siá
Miquelina?
(Alguém responde
lá dentro com um grito.) Ai vão as menina.
Rosinha
- Com licença; vamos cumprimentá-la.
As
Moças - Vamos, vamos!
Os
Rapazes - Minha senhoras?
As
Moças - Até já...
Repetição
-
Nós hoje, às mil maravilhas,
vamos
decerto passar!
Valsas,
polcas e quadrilhas
vamos
dançar!
Brincar!
Folgar!
(Saem
as Moças.)
Cena XI
Arruda,
Barão, Machadinho, Luís, Augusto e Silva
Arruda
(Ao
Barão.) -
Venha cá, compadre; assente-se aqui e ouça.
(Sentam-se
ambos à esquerda e conversam baixinho durante toda a cena.)
Machadinho
- Precisamos divertir-nos.
Silva
- Temos o Senhor de Val-de-vez.
Augusto
- E as Moças.
Luís
- Não falta nada. - Vou mandar preparar a música da fazenda: os negros
dançarão o jongo.
Machadinho
- Não esqueçamos o nosso projeto. Está tudo assentado: levaremos o velho
à corte na antevéspera do carnaval.
Luís
- Mas...
Machadinho
- Não há mas nem meio mas. O velho há de ir, asseguro. Levá-lo-emos
para o Jardim Botânico e aí efetuar-se-á um jantar para festejar a nossa
pretendida viagem à Lua, que será no domingo de entrudo.
Luís
- E depois?
Machadinho
- Tenho cá o meu plano. Obedeçam-me passivamente, e nos sairemos bem.
Manda a carta que te ditei ao Secretário dos Netos da Lua, e inclui a que escrevi ao
aderecista da Fênix. Isto deve ser feito hoje.
Luís
- Vou já mandá-la levar à caixa da estação.
Machadinho
- Mau! Manda-a levar por um próprio a seu destino. Não nos fiemos no
Correio.
Luís
- Nesse caso, só amanhã poderá ir. Vou entender-me com o Feitor a respeito
da musicata, do jongo e do próprio que há de levar a carta. (Sai.)
Cena XII
Arruda,
Barão, Machadinho, Augusto e Silva
Arruda
(Erguendo-se,
ao Barão.) -
Pois é isto, compadre: vou fazê uma grande viagem. Eu deixo vacê feito meu procuradô bastante, e há de dirigi isto por cá enquanto eu tivé fora. Se arguém me procurá...
Barão
- Encaixo-le
este pedaxinho de noxo Camões: - Porém já xinxo xóis eram paxados...(Erguem-se.)
Arruda
(Dirigindo-se
aos rapazes.) -
O que faz
vacês aí?
Venhum pra dentro; vamo conversá coas
moça.
Todos
- Vamos lá, vamos! (Vão
entrando em casa; saem as Moças.)
Cena XIII
Arruda, Barão, Machadinho, Augusto, Silva, Rosinha, Joaninha
e Moças, depois Luís e negros, depois um Negro
Rosinha
- Como não quiseram honrar-nos com a sua companhia, vimos nós procurá-la.
Machadinho
(Baixo
a Rosinha.) -
A senhora é a rainha das belas.
Rosinha
(Faceirando-se.)
-
Não me debique, moço.
Joaninha
- Esperemos pelo jantar brincando algum jogo de prendas.
Augusto
- Era a minha idéia.
Arruda
- O que há de ser?
Barão
- O
Tempo-xerá...
Todos
- Oh! (Risadas.)
Barão
- Então a caibra-xega!
(Tira um lenço encarnado e tapa os olhos.) Eu xou a caibra! Eu xou a caibra!
Machadinho
(Tirando-lhe
o lenço dos olhos.) -
Nada... nada...
Barão
- Ai!
Todos
- O que foi?
Barão
(Esfregando
os olhos.) -
Caiu-me rapé no olho!
Machadinho
- Não é nada. (O
Barão pede a Arruda que lhe sopre o olho. Jogo de cena.) Vou ensinar-lhes um brinquedo
da minha terra. Sentem-se Todos e façam a roda. (Sentam-se Todos,
menos Machadinho.) Trata-se
de organizar uma orquestra. Eu sou o regente. Toco violino. (A Rosinha.) E a senhora?
Rosinha
- Flauta.
Machadinho
- O Barão, gaita de foles. O Senhor Arruda, trombone de vara. (Risadas.) A senhora?
Joaninha
- Clarineta.
Machadinho
(Aos
outros.) -
Bumba. - Pratos. - Rabecão. - Tímbales. - Fagote. - Violeta, etc. (Distribui o nome
de um instrumento a cada uma das pessoas presentes.) Quando eu imitar o meu instrumento,
cada um imitará também o seu. Quando, porém, imitar gaita de foles,
por exemplo, o Barão imitará o violino. O que não mudar de instrumento
com a devida presteza pagará uma prenda. (Pede o rebenque do Barão e começa a imitar
um regente de orquestra.) Um dois e Três... Três é o sinal para começar... o
Hino Nacional. Um, dois e Três...! (Executam o hino brasileiro do modo acima
descrito. O Barão atrapalha-se todo. Machadinho dá o sinal para parar.
) Senhor Barão, pague a prenda!
Barão
- Ixo
é
muito caro? Nã
bim prebenido. (Risadas. cena viva e ruidosa.)
Machadinho
- Não é dinheiro. Dê um objeto de seu uso: logo será restituído.
Barão
- Tome lá. (Dá
a japona que traz debaixo do braço. Risadas.)
Machadinho
- Isto é muita coisa! Um objeto que caiba dentro de um chapéu.
Barão
- Ahn... Tome lá um dos mous anelões. Olhe que ixo é oiro do Porto lexítimo de Vraga!
(Risadas.)
Machadinho
- Agora cante cada um o que quiser. Um, dois e... Três, (Confusão de vozes.)
Dona
Rosinha, sua prenda. (Rosinha
dá-lhe uma flor e aperta-lhe a mão furtivamente.) Agora, a Chave. Um, dois e... Três! (Cantam Todos.) Senhor Arruda, a prenda!
Arruda
- Já sei, já sei, home.
Não
preciso aprendê.
Machadinho
- Não me entendeu... estou lhe pedindo a prenda.
Arruda
- Ahn... (Dá-lhe
um objeto qualquer.)
Joaninha
- Para não maçar, paguem Todos.
Arruda
- Memo
porque
Siá Miquelina não tarda a chamá a gente pra janta.
Machadinho
- Paguem... paguem... (Todos
dão-lhe objetos.)
Augusto
- Vamos às sentenças.
Machadinho
(Tirando
um objeto do chapéu e conservando-o fechado na mão.) - Dona Rosinha, dê a sentença.
O que quer que se faça com o dono desta prenda?
Rosinha
- Se for cavalheiro... (Pensa.) se for cavalheiro, servirá de banco de lavar roupa,
e, se for senhora, suspirará no canto.
Machadinho
(Abre
a mão e deixa ver o anel do Barão.) - É o senhor Barão. (Risadas.)
Barão
- Nã
quero!
Um home de minh’idade e varão a xervir de vanco de
labare roupa!
Nã
quero!
Machadinho
- Vamos! Ponha-se de quatro pés!
Rosinha
- Pois bem, recitará uma poesia.
Barão
- Ê
não
sou poeta...
Silva
- Mas sabes o Camões de cor...
Augusto
- Encaixe-lhe um pedacinho.
Todos
- Então, então? Ora vamos, Senhor Barão!
Barão
- Pois bem. Para a xenhora
que
aí está tã
vem axentada, bem a calhare este pedaxinho do noxo Camões: - Estabas, lind’Inês, posta em xoxego...
Todos
- Fora! Não serve!
Barão
- Nã
serve?!
Augusto
- Isso é rococó!
Barão
- Pois antão...
Arruda
(Ao
Barão.) - Antão, não, entonces...
Barão
- Pois antão
bai isto.
Canta e dança, sem
acompanhamento de orquestra, ao tom da Cana Verde.)
Ai,
se tu fores ao mare
pescare,
pesca-m’uma
laranjinha,
ai,
que x’ela
fore ajeda,
na
tua mão é doxinha.
Ai,
ó, ai,
ai,
ó, ai!
Quem
escorrega,
quem
escorrega
tamvém
cai!
Todos
- Ah! Ah! Ah!... Bravo! Muito bem! (Música. Luís entra precedido da banda de
música da fazenda e seguido por um coro de negros do eito.)
Luís
- Interrompam a brincadeira! Lugar ao jongo! (Os brancos sobem para o alpendre.)
Jongo
Coro
de Negros - O vento no cafézá
é
forte cum’ele
só;
a
gente fica afogada
no
meio de tanto pó. (Dançam
batendo palmas.)
Machadinho
(Descendo
do alpendre com os outros personagens.) - Atenção! Ouçam o programa dos pagodes de hoje!
Final
-
Logo que jantarmos,
pomo-nos
de pé
e,
enquanto esperarmos,
que
venha o café,
o
S’or padre cura
até
noite escura
havemos
de jogar
e
palestrar
As
Moças - Logo que jantarmos,
pomo-nos
de pé
e,
enquanto esperarmos,
que
venha o café,
o
S’or padre cura
até
noite escura
havemos
de jogar
e
palestrar
Machadinho
- Mal se acendam velas
para
a sala, vão
esticar
as canelas
Todos
que aqui ‘stão.
O
piano usado
hoje
ficará
bem
desafinado,
mais
do que já ‘stá!
Já
não estão na moda
(me
dirão vocês)
nem
fados de roda,
nem
cateretês;
mas...
deixem-se disso,
e
é pedir por mais!
Caiam
no serviço
danças
nacionais!
Coro
geral
Brancos
Negros
Logo
que jantarmos Logo que jantarem
pomo-nos
de pé põem-se de pé
e,
enquanto esperarmos e, enquanto esperarem
que
venha o café, que venha o café,
o
S’or padre cura o S’or padre cura
até
noite escura até noite escura
havemos
jogar lá irão jogar
e
palestrar! e palestrar!
Arruda
(Com
ligeiro movimento de dança.)
-
Assim é que eu gosto de ver os rapazes!
Aí,
sim, Senhor! Trá lá lá! Trá lá lá!
Machadinho
(Imitando-o)
-
Não sabe o senhor de que somos capazes!
Onde
nós nos acharmos o prazer está!
Barão
(Dançando
também) -
Pesca-me uma laranjinha,
se
fores ao mar pescar...
Arruda
- Ai, que vontade esta minha!
que
vontade de dançar!
Machadinho
e as Moças -En
avant!
sem
mais demora
En
avant!
ferva
o cancã!
Coro
geral
Brancos
Negros
Logo
que jantarmos Logo que jantarem
pomo-nos
de pé põem-se de pé
e,
enquanto esperarmos e, enquanto esperarem
que
venha o café, que venha o café,
o
S’or padre cura o S’or padre cura
até
noite escura até noite escura
havemos
jogar lá irão jogar
e
palestrar! e palestrar!
Um
Negro (Entrando.)
-
Manda dizer sinhá
que
a janta pronta ‘stá.
Coro
- A janta pronta está!
Arruda
- Já fortes pontadas sentia na pança!
Barão
- Que boa notícia pro pai da criança!
Coro
geral
Já,
com presteza
vamos
jantar
Já,
com presteza,
vamos
jantar
Vamos
pra mesa
sem
mais tardar!
[Cai o pano]
Ato Segundo
O
teatro representa o exterior do botequim que se acha em frente ao portão
do Jardim Botânico. À direita, o edifício, com a tabuleta Restaurant Campestre. À esquerda cerca
rústica e portão com cancela. Ao fundo, bosque de bambus. Mesas e cadeiras
de ferro, etc.
Cena I
Primeiro
Criado, Segundo Criado e Criado
(Os
criados estão ocupados em arranjar uma mesa que está no meio da cena,
repleta de acepipes, cristais, jarras com flores, etc.)
Coro
de Criados - Que belas iguarias!
Não
é Todos os dias
Que
se vê tanto afã
no
Restaurant
Vi
melhor,
vi
pior,
coisa
assi’
nunca
vi!
Primeiro
Criado (Mostrando
ao segundo um peru de forno que traz num prato.) - Olá Trancoso,
vem
cá: vê tu
como
é cheiroso
este
peru!
Segundo
Criado (Mostrando
ao primeiro um presunto de fiambre que traz em outro prato.) - Sim, cheira muito,
mas
vê também
este
presunto
que
cheiro tem!
Repetição
do coro
(Findo
o coro, os criados, que têm acabado de arranjar a mesa, entram no botequim.)
Cena II
Machadinho
e Luís
Luís
(Trazendo
Machadinho pelo braço.) - Vem cá, vem cá...
Machadinho
- Espera... espera... (Quer
voltar.)
Luís
(Trazendo-o
à boca de cena.) -
Mas, enfim, de que meio te serviste para fazer com que papai viesse
à corte?
Machadinho
(Com
volubilidade.) -
Do mais simples: fiz-lhe ver que a ascensão só podia efetuar-se do Corcovado.
Fiz-lhe grandes preleções sobre distâncias, etc. Ele a princípio hesitou,
mas convenceu-se, afinal, de que era necessário ceder. Ainda assim impôs
a condição que só viria na véspera da ascensão, e que eu partiria antes
dele, imediatamente, para mandar construir o foguete. Esta conversa
foi de madrugada; às seis da manhã estava eu de viagem. Ainda estavas
dormindo; não quis acordar-te, e eis aí por que ignoravas em que pé
estão as coisas. - Uf! que está quente hoje! (Vai
a sair; Luís toma-lhe a passagem.)
Luís
- Apenas chegados ontem à noite, viemos da Estação para cá.
Machadinho
- Que é dele?
Luís
- Dorme.
Machadinho
(A
meia voz) -
Se visses! É um imenso foguete de papelão bronzeado, em cujo bojo existe
um espaçoso compartimento, capaz de conter folgadamente seis pessoas.
Tem seis janelas e uma porta, que fica na cabeça. O construtor saiu-se.
Mandei fotografar o carro e o foguete. (Vai saindo)
Luís
(Retendo-o)
-
Para quê?
Machadinho
- Para convencer ao velho de que seu risco foi seguido à risca. Arrisquei
só Três mil réis com a fotografia.
Luís
- Então fostes ao Lopes?
Machadinho
- É o meu freguês.
Luís
- Pagaste?
Machadinho
- Arrisquei apenas, já disse: posso pagar ou não. - Os Netos da Lua hão de brilhar este ano! Caramba!
Luís
- Invejo este teu gênio inventivo!
Machadinho
- É para que saibas. (Vai
saindo e para junto à mesa.) Este banquete foi mandado servir por ordem minha. Faz
parte também do meu plano.
Luís
- Estou impaciente por ver em que dá tudo isto.
Machadinho
- Hás de ver. Hei de deitar um pouco de ópio no copo em que teu pai
tiver de beber, o velho adormece... e verás o resto. (Vai a sair.)
Luís
- Mas, vem cá, filho: não haverá perigo?
Machadinho
- Não tenhas receio: é uma pequenina dose, que o fará dormir, só até
a meia noite. (Vai
a sair.)
Luís
- Onde diabo queres ir com tanta pressa?... Estás só... (Imita-o)
Machadinho
- Quero esperar essa gente.
Luís
- Que gente?
Machadinho
- Ah! Imaginas que este baltazar é só para nós Três! Tinha que ver!
Olha: além do Augusto e do Silva, hão de vir as repúblicas do Sousa,
do Bento e do Guedes... A Sara...
Luís
- Que Sara?
Machadinho
- Aquela francesa do Hotel dos Príncipes, com quem o Fonseca anda a
esbodegar a legítima materna. Vem também a Elisa, a Chiquinha, a Maroca
da Rua do Senhor dos Passos...
Luís
- Ai, ai, ai! Não vá o velho desconfiar!
Machadinho
- Não desconfia não. As raparigas hão de portar-se bem. Darei as providências...
(Vai
a sair.) O
Augusto e o Silva, coitados! andam na faina desde pela manhãzinha: estão
preparando a sala da sociedade para o baile de hoje, que também entra
no programa. (Vai
a sair.) Ah!
vi a Zizinha e dei-lhe esperanças...
Luís
- Obrigado, meu bom amigo, obrigado.
Machadinho
- Agora, é abrir vela aos tufões... e o resto à sorte! (Vai a sair, entra
Arruda.)
Cena
III
Machadinho, Luís e Arruda
Arruda
- Bons
dia, seu
doutô; cumo vai a coisa?
Luís
- A benção, papai?
Arruda
- Deus Nosso Senhor Jesus Cristo te faça santo.
Machadinho
- O foguete está pronto e já lá está no Corcovado. Temos de partir às
quatro horas da tarde. Foram precisos cento e cinqüenta burros possantes
para levaram-no até lá!
Arruda
- Ora não estar lá eu! E onde arranjou tantos doutô, seu burro? Oh! me descurpe, me descurpe,
moço.
A gente às vez
se
engana! (Emendando.) E onde arranjou tantos burro, seu doutô?
Machadinho
- Com a Companhia dos Bondes Marítimos.
Arruda
- Ahn...
Machadinho
- O foguete foi conduzido num carro especial que mandei construir. Invenção
minha! Veja isto. (Dá
a fotografia a Arruda que deita os óculos e examina-a atentamente.)
- Veja como está catita! Levamos
dezesseis bandeiras nacionais, hein? É isto que aqui se vê! Temos dentro
uma sala e uma alcova. A importância do saque que me mandou está quase
inteiramente gasta. Uf! que calor!
Luís
- Insuportável.
Arruda
- Não faz má... Sou podre de rico e quero
i
à
Lua!
Machadinho
(Dando
um documento a Luís, á parte.) - Aqui tens o saque: guarde-o. (Alto.) De hoje a dois dias estaremos
na Lua, se não sobrevier no sistema planetário algum impertinente fenômeno
atmosférico que desvie o foguete do seu curso!
Arruda
- Fala que nem um livro.
Machadinho
- Senhor Arruda, mandei preparar este banquete, a que só hão de assistir
notabilidades científicas. Vem o sábio naturalista Flowers e sua senhora,
o Barão e a Baronesa do Canal do Mangue...
Arruda
(Atalhando-o.)
-
Convidou o Júlio Verne?
Machadinho
(Prontamente.)
-
Também, também! (Gesto
de Luís.) Oh!
mas aquele Verne é um malandro! Virá ou não!
Arruda
(À
parte.) -
O diabo é se o Santos sabe que vim à corte. pega fogo na canjica. (Alto.) Ó Lulu, sobre o que nós falemo, bico, hein? Senão ponho um
ovo quente na língua.
Luís
- Esteja descansado, papai.
Arruda
- Entonces
tá
tudo pronto, não?
Machadinho
- Tudo.
Arruda
- Ora viva Deus!
Canto
Zás!
Trás!
Vou
viajar.
Trás!
Zás!
pelo
ar!
Que
prazer
eu
vou ter!
Zás,
trás, zás!
(Durante
o canto entram Augusto e Silva)
Todos
- Zás, trás!
Que
prazer
Trás,
zás!
vamos
ter!
Cena IV
Machadinho,
Luís, Arruda e Silva
Arruda
- Sejem
bem aparecido! (Apertos de mão.)
Machadinho
- Então já?
Silva
- Viemos de carro... Encontramos no caminho uma troça...
Machadinho
(Tossindo.)
-
Sim... sim... o Barão e a Baronesa... o Verne... (Sinais de inteligência.) Estão se demorando!
Augusto
- O bonde estava descarrilhado. (A Arruda.) Vimos despedir-nos.
Silva
- Vamos deixá-los ao bota fora.
Luís
- Obrigado.
Augusto
- Mas como está hoje o dia quente!
Machadinho
(A
Arruda.) E
isso é uma vantagem para a nossa viagem.
Arruda
- Tá
bom,
tá bom... Fiquin conversando. Eu vou dá um giro. Quero vê estas parage. (Sai)
Cena V
Machadinho,
Augusto, Silva e Luís
Todos
(Menos
Luís.) -
Viva a pândega!
Machadinho
- Somos uns danados!
Augusto
- Sabe que as meninas de Ubá mandaram-nos um “nós, abaixo assinados”,
pedindo para nos demorarmos mais alguns dias? Como era para a felicidade
daquele povo, ficamos.
Silva
- A Dona Rosinha mandou-te muitas lembranças. Falando seriamente, aquela
moça está extraordinariamente apaixonada por ti.
Machadinho
- Deixa-te de pilhérias.
Silva
- É verdade ou não é. Luís?
Luís
- Pelo menos parece.
Machadinho
- O que parece é que vocês querem se divertir à minha custa!
Todos
- Oh!
Augusto
- Somos incapazes.
Machadinho
- Está bem, está bem! (Ouve-se
rodar um bonde.) Aí
chega o bonde. (Consultando
o relógio.) Como
vem atrasado.
Cena VI
Machadinho, Augusto, Silva, Luís, Sara, Chiquinha, Fonseca,
cocotes, estudantes.
(Os
recém chegados entram às gargalhadas, apontando para Fonseca que vem
todo sujo de lama e com o chapéu amarrotado.)
Arieta
Sara
-‘Stou furiosa,
muito
nervosa-
pudera
não!
De
estar zangada,
desesperada
tenho
razão.
Três
horas - onde? -
dentro
de um bonde!
Oh!
nunca mais.
(A
Fonseca) -
De cá os sais! (Fonseca
dá-lhe um vidrinho de sais que ela aspira.) De mais a mais, o meu Fonseca
caiu
no chão.
Que
trambolhão!
Apareceu-me
uma enxaqueca!
Ó
sapristi!
Que
dor aqui! (Leva
a mão à cabeça.)
Ah!
‘Stou
furiosa, etc.
Machadinho
(A
Fonseca.) -
O que foi isso, ó meu calouro?
Fonseca
- Que viagem, meu amigo, que viagem! O diabo do bonde descarrilhou Três
vezes, e, se não fosse isso, chegávamos mais cedo. A terceira vez, desci
para ajudar os homens que estavam a querer deitar o carro nos trilhos...
e, quando ia subir, escorreguei e caí... fiquei neste estado.
Todos
- Ah! Ah! Ah!
Sara
- Pauvre
Petit! (À parte, beliscando-o.) taisez-vouz done; voyez qu’on se moque
de vouz!
Fonseca
- En bien... Ne te
fâche pas.
Sara
(A
Luís.) -
Recebi o seu bilhete... et me voilá! O Machadinho disse-me que você instava pela minha vinda.
Machadinho
- Fazia questão de gabinete. (Trepando a uma cadeira.) Minhas senhoras e meus senhores,
atenção!
Todos
- Hum... hum....
Machadinho
- Pior!
Silva
- O assunto é grave!
Augusto
- O negócio é sério!
Todos
- Atenção!
Machadinho
- Não levem o negócio de flauta. É muito sério o que lhes vou dizer.
Vocês Todos, rapazes, sem exceção de um só, são notabilidades científicas!
Respondam pelos nomes que eu lhes der. E vocês, meninas, são as senhoras
destes senhores. Todos vocês são bastante inteligentes para me não deixar
ficar mal. Ó Fonseca, tu és o Barão do Aterrado.
Fonseca
- Está dito. (A
Sara.) En ce cas, tu es la Baronesse.
Sara
- Oh!
Mon Dieu, quel français que tu me chantes lá!
Chiquinha
- Eu o que sou?
Machadinho
(Descendo
da cadeira.) -
Logo saberás.
Chiquinha
- Eu quero ser condessa.
Machadinho
- Está bem, está bem... Tomem sentido nos nomes pelos quais forem apresentados.
Fonseca
- Apresentados? A quem?
Machadinho
- Ao Senhor Arruda!
Sara
- Qu’est-ce
que c’est ce Senhor
Arruda?
Machadinho
- Verão... verão...(A
Fonseca.) Ó
Barão, não vá entornar o caldo... Tenho medo de você...
Fonseca
- Não há novidade. Pas
de nouveauté!
Machadinho
- Agora o riso e o prazer!
Sara
- Et
pour commencer... (Chamando) Garçon, du champagne!
Luís
(A
Machadinho.) -
Olha que papai pode vir...
Machadinho
- Vou prevenir que nos previnam. (Um criado traz champanha, Machadinho fala-lhe
baixinho.)
Sara
- Encham os copos!
Todos
- Viva! (Enchem-se
as taças de champanha.)
Machadinho
(De
taça em punho.) -
Um brinde!
Todos
(No
mesmo.) -
Viva!
Machadinho
- Ao nosso anfitrião! E há de ser recitado!
Todos
- Apoiado.
Machadinho
(Recita.)
-
Quando a taça espumante transborda,
a
nossa alma remonta-se ao céu!
Quem
viveu sem tomar uma mona
foi
um odre que nunca se encheu!
Todos
- Não serve! Não serve! A cantora!
Coro
Geral
Coro
Geral - Esqueçamos
e
bebamos!
Beber!
Felizes
sejamos
e
toca a beber!
Sara
- É nisso que consiste o prazer!
Coro
- Beber!
Sara
-Amigos, a taça
rechaça
a
desgraça!
Coro
- Beber!
Machadinho
- Beber até cair!
Beber
até dormir!
Coro
- Beber!
Esqueçamos
e
bebamos!
Beber!
Felizes
sejamos
e
toca a beber!
Machadinho
- Agora, submeto à casa uma proposta!
Sara
- Voyons!
Machadinho
- Um passeio na lagoa antes de jantar. Quem rema? Temos um escaler.
Augusto
- Todos nós remamos!
Todos
- Apoiado! Todos nós! Vamos!
Repetição
do coro.
(Saem
Todos pelo fundo.)
Cena VII
Arruda,
[Sara e Coro]
(Durante
as cenas que se seguem os criados deitam o jantar na mesa.)
Arruda
(Entrando.)
-
Pois, senhores, o Jardim Botânico é isto? Uma coisa tão falada nas foia? É com aquilo que se gasta tantos
cobre? Lá na fazenda há muito capim
mió
que
aquele rasteiro que tem
ali!
Tíbio! Eu pensei que era outra coisa! Vi umas erva-de-santa-maria, umas flor...(Tomando um periódico
que está sobre a mesa.) Vamos a vê que as foi diz de novo. (Lê, deitando os óculo. Ouve-se fora
o seguinte:)
Barcarola
Sara
-Minha barquinha dourada,
que
vento queres levar?
De
dia, vento da terra;
de
noite, vento do mar.
Coro
- -Minha barquinha dourada,
que
vento queres levar?
De
dia, vento da terra;
de
noite, vento do mar.
Arruda
(Lendo
com dificuldade.) -
Certa sociedade carna... carnavalesca... (Não sei o que é) prepara um
chistosa crítica à célebre Viagem à Lua! (Zangado, arremessando o periódico.) Que desaforo! É inveja! É inveja
só!
Cena VIII
Arruda
e Luís
Luís
- O que é que tem, papai?
Arruda
- Lê. Preparum
uma
crítica à nossa viaje! Vão criticá o diabo que os carregue, cambada!
Eu só queria sabê
quem
foi!
Luís-
Não pense nisso, os seus convidados já chegaram.
Arruda
- Que dê eles?
Luís
- Vossemecê não estava. Enquanto se deitava o jantar, foram dar um passeio
pela lagoa. Vá Vossemecê vestir a casaca. É de etiqueta.
Arruda
- Com este calô... Enfim... (Vai saindo e volta.)
Havemo de mostrá a esses biltre das foia que vamos à Lua! (Sai)
Cena IX
Luís
[só]
[Luís]
Está a chegar o desenlace desta farsa, e, no entanto, tremo! Não quis
acompanhar esses rapazes, para poder combater algum obstáculo imprevisto!
Oh! papai, perdoa! Tu eras capaz de fazer o mesmo a vovô por via de
mamãe!
Coplas
I
Capaz
de tudo sou por ela,
por
Zizinha, meu doce bem;
inda
não vi, nem viu ninguém
mulher
assim, mulher tão bela!
Seus
olhos têm da noite a cor,
mas
brilham como o sol sereno...
Para
conter tamanho amor,
Cuido
que meu peito é pequeno!
Ah!
meu pai, meu bom papai,
os
meus embustes perdoai!
II
Os
meus suspiros são tamanhos
quando
me ponho a imaginar,
que
pra com ela me casar
é
só mandar correr os banhos!
Eu
de ventura hei de morrer
no
dia em que sair da igreja
levando
assim... (Menção
de dar o braço.)
Minha
mulher,
rubra,
da cor de uma cereja!
Ah!
meu pai, meu bom papai,
os
meus embustes perdoai!
Cena X
Machadinho, Augusto, Silva, Luís, Fonseca, Sara, Chiquinha,
estudantes, criados e cocotes
Machadinho
- Esplêndido passeio!
Sara
- Magnifique...
Uf! mais il fait chaud!
Augusto
- A mesa está posta.
Silva
- Tenho uma fome!
Machadinho
- Esperemos pelo Senhor Arruda. Ah! ele aí vem...
Cena XI
Os
mesmos e Arruda
Arruda
(Entrando.)
-
Senhoras donas... senhores...
Machadinho
- Apresento-lhes o nosso anfitrião!
Arruda
- Não me mude o nome, seu moço. Manuel Arruda, criado de Suas Senhoria...(Cumprimentam-no;
atrapalham-no.)
Todos
- Senhor Arruda! - Viva! - Folgo de conhecê-lo! - Sou seu criado! -
etc.
Arruda
(Satisfeito.)
Obrigado,
minha gente.
Machadinho
(Apresentando-lhes
Fonseca e Sara.) -
Sua Excelência, o Senhor Barão do Aterrado e Sua Excelentíssima Senhora
Baronesa. (Grandes
mesuras de Fonseca e Sara.) O célebre Flowers, de quem já tive a honra de falar-lhes...
A Senhora Condessa...
Chiquinha
- Marquesa... Marquesa...
Machadinho
- Ah! é verdade. Foi promovida esta noite... A Senhora Marquesa da Cochinchina.
Arruda
- Da Cochinchina? Tenho lá na fazenda muito boas galinha da sua terra.
Machadinho
(Apresentando-lhe
um estudante baixo.) -
El
Señor Dom Ramón Oribe Fuentes Guadaquivir de la Trindad Consuelo, Ministro
de la Patagonia!
Arruda
- O nome é mais comprido que o dono; Vacê memo tem esse nome todo! Safa! Mas
por que é que a gente tá assim em pé? Vamos comer... (Sentam-se Todos
à mesa.) Eu
quero falá!
Todos
- Fale! Fale! Pois não!...
Arruda
(Erguendo-se.)
Eu
sinto que não posso dizê
o
que tenho pra dizê
porque
as coisa...(Mudando
de tom, ao suposto Ministro da Patagônia.) Vacê memo tem esse nome tão comprido?
Eu não! Eu cá sou o Manuel Arruda só; cando eu nasci, era muito pequenino; por isso meu
pai não quis me dá
nome
comprido.
Todos
- Ah! Ah! Ah! - Volte ao assunto! - Entre na matéria! - Não admito!
Arruda
- Isto foi para me sarvá, porque eu tinha me atrapaiado todo. (Outro tom.) Minha gente... (A Machadinho.) Ah! é verdade: O Júlio Verne
veio?...
Machadinho
- Ainda não reparei! Está por aí o Júlio Verne? Oh! Júlio Verne! (Gargalhadas.) Qual! Não veio! Aquilo é um
malandro! (Dizendo
isto tem deitado ópio no vinho de Arruda.)
Arruda
- Lulu, expilica
essas
coisa a esta gente.
Luís
- Minhas senhoras e meus senhores, papai...
Machadinho
- Não! Falo eu!
Arruda
- Vacê
tá fechando
a boca do rapaz!
Sara
- Ah!
qu’il fait chaud!
Arruda
- Fechou, sim senhora, e o Lulu não pôde falá. (À parte.) É bem boa...
Machadinho
- O Senhor Arruda, o Luís e eu agradecemos o terdes honrado...
Arruda
- Ter desonrado! A quem? (Risadas.)
Machadinho
-... o terdes honrado este banquete com as vossas presenças.
Arruda
- É tal e quá! Muito bem!
Machadinho
- Na hora em que a pátria vai ser nobilitada pelo arrojado cometimento
de um de seus filhos, vós, que não vos alistastes nas fileiras dos incrédulos,
vinde dar palmas ao talento. Eu brindo, em nome do Senhor Arruda, o
ilustrado auditório!
Todos
- Hip! Hip! Hurra!...
Sara
- Ah!
qu’il fait chaud!
Arruda
- Sinto-me um pouco pesado...
Machadinho
- Oh! mas é verdade!... Está um calor insuportável! Estou alagado!
Augusto
- Uf! Quem pode comer assim?...
Machadinho
- Interrompamos o banquete; talvez refresque o tempo.
(Levantam-se Todos
da mesa e descem à cena. Arruda levanta-se com custo; está a cambalear
de sono.)
Final
Coro
- Fiquemos em colete,
e,
co calor que está,
deixemos
o banquete!
Logo
reviverá!
(Durante
o coro, Todos, menos Arruda, tiram os casacos.)
Machadinho
(Recebendo
de um criado um maço de ventarolas fechadas.) - Atenção.
Coro
- Atenção!
Machadinho
(Distribuindo
as ventarolas pelos personagens.) - Amigos meus, o calor pressentindo...
Arruda
- Estou quase caindo...
Machadinho
- ... trouxe estas ventarolas.
Mágicas
são
toquem
nas molas
que
nos cabos estão;
incontinenti
abrir-se-ão!
(Todas
as ventarolas, que são comicamente exageradas, abrem-se como por encanto.)
Alguns
- Oh! meu Deus! que calor!
Que
horror!
Que
tempo abrasador!
Luís
(À
parte.) -
Coitado de papai...
Arruda
- Meus senhores, estou cai não cai!
Sara
- Ah!
qu’il fait chaud!
Alguns
- Tudo alagado está!
Eu
alagado estou!
Arruda
- Mas esta não é má!
Não
há que vê: tou
pronto!
Não
bebi quase nada e já me sinto tonto!
Coro
- Que grande calor!
Que
forno, Senhor!
Machadinho
- Fa
caldo !
Ai,
que calor
abrasador!
Escaldo!
Isto
é, talvez,
noventa
e Três!
Coro
- Fa
caldo !
Ai,
que calor
abrasador!
Escaldo!
Isto
é, talvez,
noventa
e Três!
I
Machadinho
- É pra dar cavaco!
Pois
da festa no melhor
o
calor, que é velhaco,
nos
vence pelo suor!
Mas
mal o tempo mude,
vamos
pra mesa outra vez!
Olá!
Deus nos ajude!
Caramba!
é noventa e Três!
Oh!
que calor abrasador!
Coro
- Uf! Uf!
Fa
caldo !
Ai,
que calor
abrasador!
Escaldo!
Isto
é, talvez,
noventa
e Três!
Arruda
- Com sono
pra
cá não vim;
já
dono
não
sou de mim!
II
Machadinho
- Graças às ventarolas,
com
alguma viração...
Este
calor é um bolas!
Oh!
que maldita estação!
Nem
mesmo alguns sorvetes
se
encontram no restaurant.
Calor,
tu nos derretes,
se
duras até amanhã!
Oh!
que calor
abrasador!
Coro
- Uf! Uf!
Fa
caldo !
Ai,
que calor
abrasador!
Escaldo!
Isto
é, talvez,
noventa
e Três!
Arruda
- Tragam-me já uma cadeira!
De
sono tou
mesmo
a caí!
(Trazem-lhe
uma cadeira, na qual ele cai sentado.)
Coro
- De sono está mesmo a cair!
Arruda
- Que vinho mau! Que brincadeira!
Quero
dormi! Quero dormi!
Coro
- Pode dormir! Pode dormir!
(Arruda
adormece.)
Uf!
Uf!
Fa
caldo !
Ai,
que calor
abrasador!
Escaldo!
Isto
é, talvez,
noventa
e Três!
[Cai o pano]
Ato Terceiro
O
teatro representa a sala da sociedade carnavalesca Netos da Lua, no domingo gordo.
Mobília suntuosa, piano, lustre, jarras, flores, bandeiras, etc. Três
janelas de sacada ao fundo, deitando para a Rua do Visconde do Rio Branco.
Na primeira porta da esquerda, um escudo azul e branco, tendo no centro,
em diagonal as iniciais N. L., e encimado por duas carrancas enlaçadas
com um pano verde.
Cena I
Augusto, Silva, Doutor Cábula, Fonseca, Sara, Chiquinha,
e máscaras, depois Machadinho e Luís
(Ao
levantar o pano, Todos os que se acham em cena dançam freneticamente
uma valsa, acompanhada pela orquestra. Ardem fogos-de-bengala nas sacadas.
O Doutor Cábula é o único que não se acha fantasiado e mascarado.)
Todos
(Depois
da valsa, extenuados e tirando as máscaras.) - Vivam os Netos da Lua! Vivam! Vivam!
Doutor
Cábula (Subindo
a uma cadeira.) -
Meus filhos e filhas! (Bate
palma.) Atenção!
(Faz-se
silêncio.) Nas
lutas, nas terapêuticas polares e essenciais dos sentimentos aquosos,
nas nevroses contemplativas das explosões hodiernas, retumbam os desmoronados
cimentos das convulsões que produzem os infinitos cataclismas sociais.
Et
ego vacueretes mea tibi ajaceo. Santo Agostinho, capítulo terceiro,
título quarto, artigo nono. (À parte.) Que chorrilho! (Alto.) Nas idéias principais à absorção
conscienciosa dos raios solares, cifram-se os tríduos confidenciais
dos conciliábulos meditabundos dos desenvolvimentos gerais, das magnitudes
do nosso partido. - Não! não há partidos! a banca é lisa!
Todos
- Entre na questão!
Doutor
Cábula - Moderai os ânimos esquentados, meus filhos: ira perturbere regulamentum
mente in aquare vobis. Santo Inácio de Loiola, capítulo sétimo, parágrafo
décimo do Regulamento dos Bondes da Vila Isabel!
Todos
- Muito bem! Ah!
Ah! Ah!
Doutor
Cábula (Sempre
com extrema volubilidade.) - A decrepitude senil de meu crânio vetusto resolve a algidez dos
rijos materiais à contradição palpável dos princípios imutáveis e perenes
da indústria manufatureira dos abacaxis.
Todos
- Ah! Ah! Ah! Bravo!
Doutor
Cábula - Ride, ride...risum
est apetitum carnivoros comedere. (Isto é meu) A aurora dos tempos sublimes dos areópagos
indefiníveis...
Augusto
- Não sejas amolador, ó Cábula! Sai daí. (Dá um pontapé na cadeira e o Doutor Cábula
cai no chão.)
Doutor
Cábula (Erguendo-se.)
-
Que cábula!
Silva
(Saindo
de uma das sacadas, onde tem estado desde que terminou a valsa.) Aí vem o Machadinho: conheci-o
pelo andar.
Todos
- O Machadinho! -Ainda bem! - Já tardava! - etc.
Coro
- Oh! que prazer!
Ele
aí vem!
Nós
vamos rir,
pois
jeito tem
pra
divertir!
vamos
Todos sem demora
o
amigo receber
agora.
Augusto
- Que novidade nos trará?
Doutor
Cábula - Aposto que rir nos fará!
Augusto
- Temos panos para mangas.
Doutor
Cábula - Frandulagens, bruzundangas.
Coro
- Eis que ele aí vem,
Luís
também!
(Entram
Machadinho e Luís fantasiados também.)
Rondó
e Coro
Machadinho
- Meus folgazões,
meus
foliões,
finalmente
aqui nos tem!
Vamos
ver
hoje
quem
tem
garrafas pra vender!
Ouvi,
meus amigos,
da
festa os artigos:
Primo:
quem deixar
de
rir e folgar
levará
sopapos;
em
papos, em papos
de
aranha andará;
suspenso
será!
Secundo:
é vedado
brincar
mascarado;
intrusos
então
se
introduzirão.
Tércio:
mui respeito
se
deve ao sujeito
velhote
que está
dormindo
acolá.
Quem
estes artigos
infringir!
castigos
severo
terá;
punido
será.
É
bom haver ordem,
pois
qualquer desordem
não
pode abonar
quem
a praticar.
-
Meus folgazões,
meus
foliões,
finalmente
aqui nos tem!
Vamos
ver
hoje
quem
tem
garrafas pra vender!
Coro
- Os folgazões,
os
foliões,
finalmente
aqui os tem!
Vamos
ver
hoje
quem
tem
garrafas pra vender!
Machadinho
- Toca para a sala de jantar. Está posta a ceia. Aviem-se que preciso
de vocês.
Todos
- Viva o Machadinho!
Doutor
Cábula (Ao
Machadinho.) -
Eu te abençôo do fundo do meu estômago. (Saem Todos menos Machadinho e Luís. Música
na orquestra durante a saída.)
Cena
II
Machadinho e Luís
Machadinho
(A
Luís, que entrou no gabinete da direita e saiu logo.) - O velho?
Luís
- Ainda dorme. Está ali.
Machadinho
- No Necrotério, sei.
Luís
- Necrotério?
Machadinho
- Necrotério aqui é o lugar em que se cozem as monas.
Luís
- Mas papai não é precisamente uma mona!
Machadinho
- Ninguém disse tal.
Luís
- Coitadinho de papai.
Machadinho
(Arremedando-o.)
-
Coitado de papai! (Naturalmente.)
Então,
rapaz? Queres chorar?
Luís
- Não, mas quando me lembro que o metemos nestes assados sem consciência
sua...
Machadinho
- Ora, ora, que novidade! Se ele soubesse de tudo cá não vinha. Bem
sabes que era preciso fazer o que se fez. O velho acorda aqui, em pleno
baile carnavalesco. O carnaval é coisa nova para ele. Supõe-se, fazemo-lhe
supor-se, na Lua. Nada receies: eu me encarrego de desculpar-te.
Luís
- Perdoará ele o havermo-lo enganado? abusado de sua boa fé?
Machadinho
- Deixa-te de asneiras! Olha que és um maricas! Como diabo, a não ser
assim, havíamos nós de carregar com teu pai para a corte e colocá-lo
em frente do velho Santos, seu futuro sogro? Ah! escreveste-lhe?
Luís
- Escrevi. Pedi-lhe que se achasse à meia noite aqui, e fantasiado.
(Entra o Doutor Cábula.)
Machadinho
- Quem levou essa carta?
Luís
- O Cábula.
Cena III
Machadinho,
Luís e Doutor Cábula
Doutor
Cábula - Falavam de mim?
Machadinho
- Entregaste a carta do Luís?
Doutor
Cábula - Em mão própria. O tal teu futuro sogro é um velho bem cabuloso.
Enquanto lia a carta, deu-me uma dúzia de palmadinhas na barriga. Mas
dei-lhe os contras.
Luís
- Obrigado, meu bom amigo, ser-te-ei eternamente grato.
Machadinho
(À
parte.) Temos
facada com certeza.
Doutor
Cábula (À
parte.) -
Vou dar-lhe o plano. (Alto.)
Ó
Luís, és homem para trinta mil-réis? Quero fazer uma vaca de sessenta...
Machadinho
(À
parte.) -
O que dizia eu?
Luís
(Dando
dinheiro ao Doutor Cábula.) - Aqui tens.
Doutor
Cábula - Obrigado. Em quanto estamos?
Luís
- Nós temos contas.
Doutor
Cábula - Então dá cá mais vinte, para fazer cinqüenta...
Luís
- Pois não. (Dá-lhe
mais dinheiro.)
Doutor
Cábula (À
parte.) -
Estou arrependido de haver pedido tão pouco. (Alto.) Toma nota! Cinqüenta mil réis!
Depois não quero dúvidas no pagamento... Vou levar a banca à glória
em Três relances e meio. (Vai
saindo.) Olha,
depois não andes a te esconder de mim, para evitar o pagamento, hein?
(Sai. Durante a cena
que se segue, ouvem-se vozerias, brindes, etc.)
Cena IV
Machadinho
e Luís
Machadinho
- Eu sabia que aquilo era tiro pronto.
Luís
- Não importa; é um aliado poderoso que compramos por bem pouco.
Machadinho
(Consultando
o relógio.) -
Faltam apenas dez minutos para a meia-noite. Sangue frio, meu amigo.
Mune-te de bastante sangue frio, embora o tenhas de ir buscar a algum
açougue.
Luís
- Bem; eu vou...
Machadinho
(Marchando
vivamente.) -
Ao açougue?
Luís
- Não...
Machadinho
(À
parte.) -
Capaz era ele disso!
Luís
- Vou esperar o Santos à porta da rua. Toma sentido que os rapazes não
façam alguma com o papai.
Machadinho
- Vá descansado.
Cena V
[Machadinho e Doutor Cábula]
[Machadinho]
- É muito tolo, coitado, mas afinal de contas é uma pérola! Que culpa
tem ele que nascesse Arruda? Outro qualquer não consentiria que a seu
pai fizessem tanto, mas julga naturalíssimo estar tudo por amor da sua
Zizinha. Mas eu, que não sou da família, não tenho escrúpulos: trato
de divertir-me o mais que posso e, ao mesmo tempo, auxiliar a realização
dos sonhos dourados de um amigo. (Dá meia-noite.)
São horas. (Chamando.) Ó Cábula! Cábula! Augusto!
Silva!
Doutor
Cábula (Dentro)
-
Não me encabules!
Machadinho
- Venham cá. (Entra,
Augusto, Silva e o Doutor Cábula.)
Cena VI
Machadinho,
Augusto, Silva e Doutor Cábula
Doutor
Cábula (Entrando
por último.) -
Ora sebo! Lá se foram a vaca, os bezerros e tudo quanto Marta fiou.
Estou reduzido a uma fichinha de duzentos e cinqüenta réis. Um maço
de cigarros. Nunca chamem por mim quando eu estiver acompanhando alguma
costela, porque é tiro e queda! Ela quebra logo.
Coplas
I
Voto
de não jogar já fiz;
mas,
ó razão, de mim te apartas!
Convicto
estou: não sou feliz...
Vício
fatal! Malditas cartas
Fico
maluco por um triz,
se
alguma coisa apanho;
perco
outra vez; peço ao Luís...
Perco
o que ganho e o que não ganho!
Mas,
agora? Nunca mais!
Desta
vez prometo:
noutra
não me meto!
Nunca
mais!
Sim!
Dito está! Não jogarei jamais!
II
Quando
o parceiro as cartas deu,
na
mesa estava uma remissa;
joguei...
e o meu dinheiro, ó Céu!
foi
- fogo viste lingüiça! -
Mas
um consolo tenho eu
(Pobre
de mim sem tal consolo!):
Não
jogo nunca o que é meu,
mas
do Luís, qu’inda é mais tolo...
Mas,
agora? Nunca mais!
Desta
vez prometo:
noutra
não me meto!
Nunca
mais!
Sim!
Dito está! Não jogarei jamais!
(Consigo.)
Mas
se eu tentasse a desforra? (A
Machadinho, Augusto e Silva, que conversam entre si.) Qual de vocês aí é homem para
cinco bodes?
Machadinho
- Nenhum.
Augusto
- Ora vai-te catar!
Doutor
Cábula (a
Silva.) -
Não tens aí dois pelintras disponíveis. (Silva vai para dar-lhe dinheiro; Machadinho
pega-lhe no braço.)
Machadinho
- Não estejas a alimentar vícios!
Doutor
Cábula - Não impeças uma boa ação, menino!
Machadinho
- Venham daí. Ajudem-me a conduzir para aqui o pai do Luís. (Entra no quarto
da direita, acompanhado por Augusto e Silva.)
Doutor
Cábula (Refletindo.)
-
Decididamente não jogo mais! Mas... mas deixem lá que uma desforra tem
seu sabor! Onde o diabo hei de arranjar dez tostões? (Os rapazes voltam,
trazendo Arruda a dormir sentado em uma poltrona e vestido de bombeiro
de Nanterre.)
Machadinho
- Bem. Agora Silva, tu coloca-se àquela porta e, tu, Augusto, àquela
outra. Não deixem entrar ninguém, sem que lhes dê sinal, e sobretudo
não apareçam. O velho pode conhecê-los. O sinal é um assobio. Augusto
e Silva - Entendido. (Vão colocar-se,
um à direita, outro à esquerda e desaparecem no correr da cena. Machadinho
tira do bolso um cortiça queimada, vermelhão, etc. e pinta o rosto de
Arruda, ajudado pelo Doutor Cábula.)
Doutor
Cábula - Que cara cabulosa!
Machadinho
- Estes bigodes e estas sobrancelhas dão-lhes uma graça!
Doutor
Cábula - Isto é uma cara de azar.
Machadinho
- Pronto! (O
Doutor Cábula com um pedacinho de papel enrolado faz cócegas no nariz
de Arruda.) Mais
respeito! É o pai de um amigo!
Doutor
Cábula (Com
solenidade cômica.) -
Respeitemos o nariz da cara do pai de um amigo!
Machadinho
- Agora, atenção! Vou despertá-lo...
Doutor
Cábula - Cuidado...
Machadinho
- Não vás dizer alguma tolice. Estás a par da situação. Tento na boca!
(Tira um vidrinho
da algibeira e faz com que Arruda lhe aspire o conteúdo.)
Arruda
(Desperta,
esfrega os olhos, espantado em redor de si.) - A mode que senti uma infulenização no sangue! Onde estou?
Machadinho
- Estamos na Lua!
Arruda
(Dando
um pulo.) -
Hein? Entonces
sempre
é verdade? (Encaminhando-se
para uma das janelas.) Que rua é esta?
Doutor
Cábula - É a Rua do Visconde do Rio Branco.
Machadinho
(Baixo
ao Doutor Cábula.) -
Então, foi abrires a boca e dizeres asneira!
Doutor
Cábula - Não... é... é...
Arruda
- Entonces! O Paranho já é conhecido na Lua!
Machadinho
(Tomando
o braço de Arruda.) -
Não chegue à janela, Senhor Arruda!
Arruda
(Reconhecendo-o.)
-
Ah! é vacê, seu doutô?
Mas não chegue à jinela por quê?
Machadinho
(Mostrando-lhe
o traje, misteriosamente.) Pois não vê?
Arruda
(Extremamente
surpreso por se ver vestido de bombeiro.) - Que vestimenta é esta? Eu não sou sordado! Quem me vestiu assim? Mangarum comigo!
Machadinho
- Eu lhe explico. Não mangaram tal. O nosso foguete caiu num quartel
de bombeiros da Lua, e os trajes que trazíamos foram Todos confiscados
para o museus da pálida Diva.
Arruda
- Entendo... entendo... e me botarum esta vestimenta pra sarvá as conveniência
sociá... Ah! Ah! Ah! Quê dê Lulu?
Machadinho
(Com
mistério.) -
Chut!
Doutor
Cábula (Que
tem acompanhado Todos os movimentos de Machadinho no mesmo.) - Chut!
Arruda
(Mistificado.)
-
Que diabo de especulação é esta?
Machadinho
- O Lulu agora é o rei da Lua e eu sou o seu primeiro ministro. O senhor
é o pai de Dom Luís I. (Doutor
Cábula faz grandes cortesias a Arruda.)
Arruda
(Passado
o grande pasmo que lhe causaram as palavras de Machadinho e as cortesias
do Doutor Cábula.) -
Quê dê Lulu?
Machadinho
- Sua Majestade está no Observatório conversando com as estrelas; não
pode receber nem mesmo seu próprio pai.
Arruda
- Iremo
logo
mais. (Coordenando as idéias.)
Mas...
que diabo! parece que vim dromindo! Não vi memo a viaje.
Machadinho
- O Senhor Arruda tem uma natureza fraquíssima. Quando embarcou, parece
que algumas gotas de vinho que bebeu no Restaurant do Jardim Botânico lhe havia
subido à cabeça, e depois a rarefação do ar nas camadas interplanetárias
causou-lhe uma síncope, cujo fenômeno as ciências naturais explicam
muito facilmente. Chegamos há Três horas, depois de dois dias de viagem,
e só agora eu e este senhor, nosso companheiro de viagem, conseguimos
despertá-lo1
Arruda
(Ao
Doutor Cábula.) Ah!
vacê
veio
com nós?
Doutor
Cábula - Acidentalmente.
Machadinho
- Este é o célebre professor aeronauta elétrico... (Cortesias do Doutor
Cábula.)
Arruda
- Ahn... Conheço muito! A roupa dele não foi pro museu.
Machadinho
-... o muito sábio Doutor Humboldt Agassis Levington Lesseps X.P.T.O.
London...
Arruda
- Vacê
só
me apresenta gente cum
nome
de légua e meia!
Machadinho
(Continuando
a apresentação, enquanto o Doutor Cábula desfaz-se em exageradas mesuras.)
- ...Ilustre americano muito
conhecido em todo o Universo por seus inúmeros e importantes descobrimentos!
Arruda
- Pois seu Assis... Assis foi único nome que entendi...
Doutor
Cábula (Com
exagerada amabilidade.) - Agassis... Agassis...
Arruda
- Aguassis... Estimo conhecê-lo... Lá
estamo às orde...
(Não sabendo para que lado apontar, para iniciar a situação da sua fazenda.)
... lá...Espere! Para onde
fica a fazenda? Pra que lado fica Ubá?... Ah! Deve ser pra baixo! (Apontando para o
chão.) Lá
estamo às orde de Sua Senhoria.. lá em baixo,
em Ubá!
Doutor
Cábula - Muito obrigado. (Com volubilidade.) Andava eu no meu balão, fazendo uma viagem de
recreio à roda desse pequeno planeta que se chama Terra, quando senti
que o aparelho era atravessado por um foguete descomunal, que à primeira
vista tomei por um bólido. O tafetá do bojo solidificado pela guta-percha
resistiu: ficou o balão pendurado no seu foguete que não diminuiu de
velocidade, e, assim, tranqüilamente, deitado no funda da minha barquinha
feiticeira, vim para, com Vossas Senhorias, a Lua. É um episódio interessantíssimo,
que há de fazer furor no Instituto Histórico e Geográfico de Nova Iorque,
se eu tiver a felicidade de voltar à Terra.
Arruda
- Voltaremo
noutro
foguete. Fique descansado, Seu Eguassis. Se isto não me agradá, cá não fico. (Ouvem-se brindes,
etc.) O
que é isto?
Machadinho
- Isto é um baile que dá a estrela Vênus por ver um regente no trono,
que estava acéfalo desde que lhe morreu o pai. O baile é oferecido ao
Rei Luís , seu filho, para festejar as suas ascensões: à Lua e ao trono.
(Assobia.)
Doutor
Cábula (À
parte.) -
É de muita força este menino!
Arruda
- Mas o que me admira é eles falá a língua que nós falamo.
Doutor
Cábula (À
parte.) -
Mas o velho é de mais força!
Machadinho
- Isso é gente de uma memória e habilidade espantosas. Demais, moram
no Céu: não admira que saibam tudo. (Rumores fora.) Atenção, Senhor Arruda! Aí vem Vênus e seu rancho.
Cena VII
Machadinho, Doutor Cábula, Arruda, Augusto, Silva, Fonseca,
Sara, Chiquinha e máscaras.
Coro
Geral - Viva o carnaval!
Viva
o bacanal!
Viva
o saturnal!
Nesta
noite festival,
tudo
é feliz, jovial!
Contentes
vamos dançar,
brincar,
saltar e folgar!
Arruda
- Que gente é esta?
Na
Lua, vejo, há grande festa!
Machadinho
- Pois não disse-lhe já, Senhor Arruda
que
o seu Lulu no trono se grudou?
Pois
Vênus, que é quem gruda,
esta
festa ordenou.
Coro
- Pois Vênus, que é quem gruda,
esta
festa ordenou. (Dança
geral e desordenada.) Viva o Carnaval!
Doutor
Cábula (A
Machadinho.) -
Vou ter com o Luís.
Machadinho
- Vá, dize-lhe que já é tempo. Não lhe peças dinheiro emprestado.
Doutor
Cábula - És um monstro. (Sai.)
Cena VIII
Machadinho, Arruda, Augusto, Silva, Fonseca, Sara, Chiquinha
e máscaras.
(Sara
tem se apegado a Arruda, que parece impressionado. Ciúmes de Fonseca.)
Machadinho
(A
Sara.) - Não
o deixes; olha que isto é mina de caroço.
Sara
(A
Machadinho.) - On fera ce qu’on pourra.
Arruda
(Entusiasmado.)
Não
saio mais da Lua. Mando vendê
fazenda,
negro, tudo o que tenho lá em baixo. (Aponta para o chão.), e venho de vez pr’aqui. (A Sara.) Sua Senhoria se parece muito
cuma madama qu’eu vi no Jardim Botânico no dia em que vim cá pr’arriba.
Cara duma, focinho doutra.
Sara
(Baixinho.
Grupos diversos.) -
C’etait
moi... mon bibi... c’etit moi même...
Arruda
- Não fale língua da Lua, dona madama, Sua Senhoria fale língua brasileira,
que é a que me ensinaram...
Sara
- Esta mulher que vias na Terra... era eu...
Arruda
- A Baronesa?
Sara
- Era eu. Amo-te... Tenho-te seguido por toda a parte!
Fonseca
(Inflamado.)
-
Madame Sara, vous
êtes une cynique... notre rélations sont brisées par toujours... vous
voulez me place à perdre...
Sara
(Repreeensiva.)
Meu
bem...
Fonseca
(Dando-lhe
um dedo.) - Mordez ici (Sara morde-lhe o dedo.) Ai!
Arruda
- Seu Barão, descurpe
a muié... ela
não tem curpa
de me tê amizade...
Fonseca
- Deixe-me senhor! Ne
compt pas avex moi, perfide! Adieu pour jamais!
Todos
(Que
tem presenciado a rir-se, rompem numa gargalhada.) Ah! Ah! Ah! (Fonseca
sai.)
Machadinho
- Deixem esse idiota! Que vá falar francês na casa do avô torto. (Música na orquestra.
Queimam-se fogos-de-bengala nas sacadas. Dentre as mulheres sai uma
andaluza, de meia máscara de seda e executa um bailado. Findo o bailado,
Machadinho apresenta Arruda à sociedade.)
Cena IX
Machadinho, Arruda, Augusto, Silva, Sara, Chiquinha e
máscaras, no fim da cena Fonseca.
Machadinho
- Meus amigos e amigas, apresento-lhes o pai de Sua Majestade.
Todos
- Viva o pai de Sua Majestade! (Forma-se de repente um cortejo, que desfila
pela frente de Arruda, que está cheio de si, e visivelmente embeiçado
por Sara.)
Marcha
e coro
Salve
o progenitor
do
nosso rei recente
Por
nós serás, senhor,
amado
eternamente!
Machadinho
(Apresentando
diversos indivíduos a Arruda.) - A Estrela d’Alva! - Vésper! - Saturno! - Mercúrio!
Arruda
- Conheço uma pomada de sua invenção.
Machadinho
- Tem muitas outras invenções: o bacará, o trinta e um... o marimbo..
Arruda
- Isso é jogo...
Machadinho
- Parece.
Arruda
- Ah! aqui na Lua também há disso? (De repente, a Sara, que o encara meigamente.)
Ó
ladrãozinho, tu me mata!
Fonseca
(Reaparecendo.)
-
Quem vem ao chocolate?
Todos
- Vamos! Vamos! Ao chocolate! (Saem Todos em confusão. Arruda é arrastado
por Sara no meio do tumulto geral.)
Cena X
Doutor
Cábula, Luís e Santos
Santos
(Metido
num dominó.) -
Ora, senhores, eu! um homem sério! um pai de família! um funcionário
público! metido num dominó, e obrigado a embarafustar por uma casa destas!
- Mas não importa! trata-se de quebrar a castanha na boca de seu pai!
Faço idéia da cara com que ele vai ficar.
Luís
- Agradeço-lhe a oportunidade!
Santos
- E há de quê... e há de quê! Ora, meu Deus! um homem com vinte e Três
anos e quatro meses de bons serviços ao Estado!
Doutor
Cábula (À
parte.) -
Já voaram cinco bancas, e eu sem armação! Se este Santos espirasse...
Luís
- Vem gente. É ele. Venha para cá. (Vão Todos os Três para uma das sacadas do
fundo, cujas cortinas Luís faz descer.)
Cena XI
Doutor Cábula, Luís, Santos escondidos, e Arruda que
entra de braços dados com Sara
Santos
(À
parte, deitando a cabeça fora da cortina.) - É ele! Reconheço-o como se não o visse há
quinze dias, e, no entanto, já lá vão trinta anos. (Dando com Sara.)
Ela! Olé! Foi bom eu vir aqui.
Deixa estar, que não me apanhas mais vintém!
Arruda
(Rendido,
a Sara.) -
Tu é
muito
bonitinha, ladrãozinho. Quando eu te vi, seu bem, meu coração pegô a batê zuque, zuque, zuque; com uma
força iguá
à
da engenhoca d’água da comadre Inclementina. (Senta-se.)Tu não conhece a Inclementina?
Aquela
do Juiz de Fora!... Home
é
tão conhecida! Vacês
aqui
na Lua diz
que sabe de
tudo! - Ah! seu ladrão! Eu posso fazê a tua felicidade. Sou podre de rico!
Sara
- Sei que é muito rico: tens fazenda em Ubá, em Maçambará...
Arruda
- É... é... Como ela sabe de tudo home!
Sara
- Bebê, fica... fica aqui comigo...
Arruda
- Ela não saberá que eu sou casado?
Sara
- Sei que és casado, mas...
Arruda
(À
parte.) -
Ai, ai,...
Sara
- Mas se quisesses?
Arruda
- Casar outra vez?
Dueto
Doutor
Cábula (Saindo
da sacada e aproximando-se.) - Então, meu caro Senhor Arruda, está melhor aqui do
que na Terra, hein?
Arruda
- Ah! vacê
tava aí? Me farte a
luz na hora da morte se eu lhe vi... Home, vacê qué que eu fale?
Doutor
Cábula - Com franqueza.
Arruda
- Pois home;
Seu
Assis, diabos a Terra! Aqui os are são mió. (Santos sai também da sacada e se aproxima.)
Quem
é este frade? Na Lua também há disto?
Santos
- Ora, senhores! Um homem sério!... Um funcionário quase aposentado
e pai de cinco filhos!...
Arruda
- Pra que é essa coisa que vacê traz na cara?
Doutor
Cábula - É da Ordem... é da Ordem...
Sara
(À
parte.) -
Eu conheço aqueles olhos... Mas, qual! é impossível! Ele não freqüenta
sociedades carnavalescas..
Santos
(À
parte.) -
É ela mesma. Não me apanha mais vintém.
Luís
(Saindo
por sua vez da sacada e descendo a cena.) - Não prolonguemos por mais tempo esta cena.
É demais! Vamos, Senhor Santos...
Arruda
- Senhô
Santos!
Meu filho, Vossa Majestade disse - Senhô Santos?
Luís
- Tire a máscara.
Santos
(Tirando
a máscara e avançando para Arruda.) - Então, você não disse que não vinha mais à corte?
Arruda
(Assombrado.)
-
O Santos!...
Santos
- Veio ou não veio à corte?
Arruda
- Que corte, home!
Lua
não é corte!
Santos
- O que diz ele? (Aparece
Machadinho.)
Doutor
Cábula - Que cábula!
Sara
(Embaraçada
desde que Santos tirou a máscara, à parte.) - Me voila pincée.
Cena XII
Doutor Cábula, Luís, Santos, Arruda, Sara e Machadinho
Machadinho
(Aproximando-se.)
-
Senhor Santos, Senhor Arruda, eu explico o caso.. o Senhor Arruda supõe
que fez uma viagem à Lua, ao passo que a viagem que fez foi apenas de
sua
fazenda
à corte, onde está.
Arruda - Na corte! Eu tou na corte! Ué! Eu não esperava
isso de Sua Senhoria, seu doutô (Puxando as orelhas de Luís.) Venha cá, seu rei da Lua, então
vacê
mangou
de seu pai...
Luís - Papai...
Machadinho - Perdão, o autor do quiproquó foi este
seu criado. Eu sabia da divergência que há entre o senhor e o Senhor
Santos, e da promessa que o senhor havia feito de não por os pés na
corte. O Senhor Santos só consentia no casamento de Luís com Dona Zizinha
com a condição que o senhor viesse ao Rio de Janeiro. Por amizade a
seu filho e aproveitando o desejo que o senhor tinha de ir à Lua...
Arruda - Que bonita figura fiz eu, sim senhô, não tem que vê!
Santos - Já que está, consinta no casamento daqueles
dois pombinhos...
Arruda (De maus humor.) - Já consenti!
Luís - Obrigado, papai. (Beija as mãos do
pai.)
Arruda - Saía daqui, filho de um burro!
Machadinho - Agora, um favor, Senhor Arruda, estenda
a mão ao seu ex-condiscípulo, e o passado, passado.
Santos e Arruda - Ele que estenda {primeiro
{ premero
Doutor Cábula - Eu concilio tudo, apesar de não ser
da família. (Toma
as mãos de ambos e une-as.) Ego conjugo vobis.
Sara - Tableau!
Santos e Arruda - Eu sempre gostei dele, mas é muito
teimoso.
Arruda - Mas, enfim, onde estamo nós?
Machadinho - Deixe para mais tarde as minudências...
logo saberá de tudo... (A Luís.) Hás de ser o único de ir à lua... à lua de mel! (A Arruda.) O saque está em mão do Luís;
não tocamos em um real.
Arruda - Pois guarda ele, Lulu: é teu dote.
Santos (Dirigindo-se a Sara.) - Contigo é que não faço as
pazes... Não me apanhas nem mais um vintém.
Sara - Mas...
Santos - Psiu... (Consigo.) - Um funcionário público, meu
Deus!
Arruda - Não leio mais novelas do tal Seu Júlio Verne.
Machadinho - Hei de oferecer-lhe um livro de Vítor
Hugo: A
arte de ser avô.
Sara (A Santos.) - Est-ce que tu va rester fâchê
comm’ça?
Santos - Veremos... Um pai de família... com cinco
filhos e vinte e cinco anos e quatro meses de serviços públicos. (Deixa-se enlaçar
por Sara.)
Arruda (Com uns longes de zelos, à parte.) - As muié são mesmo assim: farsa como elas só. (Entra Fonseca, de
braço dado com Chiquinha, acompanhados de Todos os personagens.)
Cena XIII
Doutor Cábula, Luís, Santos, Arruda, Sara, Machadinho,
Fonseca, Chiquinha, Augusto, Silva e máscaras.
Os
Recém-chegados - Ó Machadinho! Vem apreciar os novos amores do Fonseca!
Arruda
(Admirado
e tapando os ouvidos.) - Que matinada!
Santos
(Sempre
abraçado por Sara.) -
Um homem sério!
Fonseca
(Com
Chiquinha pelo braço, a Sara.) - Tu ne me donnais pas de considération:
tu ne faisais cas de moi; je me suis épris de Chiquinhe!
Todos
- Ah! Ah! Ah!
Arruda
- Mas ói
que
a batina do reitô
era
de ceteim!
Final
Machadinho
- Na forma agora de costume
Vou,
por precaução,
pedir
do povo a proteção.
Sara
(Ao
público.) -
Vossa proteção!
Machadinho
- Oh! não vos farteis de aplaudir,
sem
resmungar, nem redargüir,
quem
voz fez rir
ou
fez dormir!
Machadinho
e Sara - Quem fez rir ou fez dormir
aplaudir
sem redargüir!
Coro
- Sem resmungar, sem redargüir,
aplaudi
quem vos fez rir!
Machadinho
- Agora, galopemos!
Saltemos
e pulemos!
Pulemos
e saltemos!
E
não há que refletir!
Coro
- E não há que refletir!
(Galope
geral. Quadro animadíssimo.)
Oh!
não vos farteis de aplaudir,
sem
resmungar, sem redargüir,
quem
vos fez rir,
ou
fez dormir!
[Cai o pano]
(1)
- A música deste jongo, bem como a da barcarola do segundo ato, foi
composta por obséquio aos autores, pelo eminente professor Doutor Henrique
Mesquita. (Nota do autor.)
(2)
É a polca Zizinha, que composta e impressa o ano passado, obtém tão
franco sucesso nos salões fluminenses. (Nota do Autor.)
FIM
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